terça-feira, 6 de novembro de 2018


06 DE NOVEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Feira do Livro: um caso de antimarketing

Será que O Poderoso Chefão é mesmo o melhor filme de todos os tempos? Talvez seja.

E Rubem Braga? Será ele, de fato, o maior cronista da história do Brasil, esse país pródigo em cronistas? Creio que sim.

Também creio que Belchior é o maior poeta da Música Popular Brasileira, embora Caetano e Chico sejam os melhores letristas e Roberto o melhor intérprete e Tim Maia a maior voz masculina, enquanto Elis é a feminina.

E é claro que Geromel é o maior zagueiro da história do Rio Grande do Sul, superando Figueroa, Gamarra, Lúcio e De León.

Mas todas essas escolhas podem ser discutidas. Listas, concursos, festivais e campeonatos se prestam para isso mesmo: servem como estímulo às áreas de que tratam. É como dar nota aos jogadores em uma partida de futebol. Quando eu era editor de esportes de Zero Hora, às vezes publicávamos 24 alentadas páginas a respeito de uma única decisão. Havia textos elaborados, havia pautas diferenciadas, havia todo um esforço de reportagem e edição, e a página mais lida e debatida era sempre a das notas dos jogadores.

As pessoas se interessam por avaliações, mesmo quando não concordam com elas.

Pois uma das maiores atrações da Feira do Livro de Porto Alegre era, justamente, a lista dos livros mais vendidos. Os leitores acompanhavam dia a dia a lista, e ela os balizava e os incentivava a comprar e a participar da Feira. Se havia injustiças, se havia erros, nada disso realmente importava. O importante era que aquela espécie de campeonato literário motivava o leitor e a cidade e, não raro, chamava a atenção de todo o país.

O Ivan Pinheiro Machado, da L&PM, vive lembrando que O Analista de Bagé, do Verissimo, virou assunto no Rio exatamente pelo sucesso que fez em sua primeira Feira do Livro de Porto Alegre. A partir daí, o livro se tornou um clássico e o autor se tornou um astro.

Ao abolir a lista dos mais vendidos, a Feira tirou do leitor uma referência e dos jornais uma pauta. Você podia escrever a história da Feira do Livro a partir de seus sucessos, os escritores podiam reclamar que tinham sido esquecidos, os cronistas podiam contestar a relação e pedir recontagem. Tudo muito vivo. Tudo muito palpitante. Nada disso acontece mais. É como se a Feira estivesse se empenhando para não ser assunto. Numa época de marketing total, a Feira é um caso extremo, raro e pouco inteligente de antimarketing. Se fosse uma obra de ficção, ninguém acreditaria.

A Feira tem pudores de fazer sua lista, mas eu não tenho de fazer as minhas. Aí vão os quatro melhores livros de autores gaúchos que já não podem mais passear sob os jacarandás da praça, porque morreram:

1. Os Ratos, de Dyonélio Machado.

2. O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo.

3. Os Tambores Silenciosos, de Josué Guimarães.

4. Contos Gauchescos, de Simões Lopes Neto.

DAVID COIMBRA

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