09 DE NOVEMBRO DE 2018
OPINIÃO DA RBS
CHOQUE DE REALIDADE
O Brasil votou por mudanças profundas, o que inclui uma grande renovação nos parlamentos e uma dramática redução do peso do Estado, com a qual se confronta o reajuste no teto salarial
Bastou o seu primeiro dia em Brasília para o presidente eleito Jair Bolsonaro testemunhar que o desejo de mudança decretado nas urnas por maioria expressiva da população está muito longe de ter chegado aos demais poderes. Pouco depois de o futuro presidente da República comentar que não era o momento para ampliar gastos, o Senado aprovou, em menos de uma hora e sem dificuldade ou maiores questionamentos, um reajuste salarial de 16,38% para a fatia mais bem paga do serviço público. E tudo indica que o sinal vai continuar verde para pautas-bombas: um dia depois, os senadores aprovaram ontem um incentivo fiscal para as montadoras, regulamentado de imediato pelo presidente Michel Temer.
No caso da majoração dos ganhos mais elevados de R$ 33,7 mil para 39,3 mil, o impacto financeiro pode alcançar R$ 4 bilhões anuais, se for levado em conta o efeito cascata. Esse tipo de decisão evidencia que velhas práticas de benesses a quem tem poder de pressão seguem intocáveis. Por isso, é preciso que a decisão do Senado, dependente agora apenas da sanção presidencial para vigorar, apresse ao menos o fim do auxílio-moradia para magistrados, ainda que não haja razão para esse tipo de vantagem ser usado como compensação por reajuste.
Por mais que os valores dos vencimentos possam se mostrar desatualizados, é a capacidade de pagamento da sociedade que está em jogo. Não há dúvida de que categorias da área do Direito devem ser bem remuneradas. O que se discute é o efeito cascata, as reciprocidades e, principalmente, o momento no qual ocorre a aprovação. É inegável a qualidade do Judiciário brasileiro, que já presta um serviço muitas vezes superior a outras áreas públicas nas quais as verbas chegam a conta-gotas, quando chegam, como educação, saúde e segurança. O reajuste, porém, reforça a crescente distância e animosidade entre categorias funcionais de distintos poderes.
O mesmo velho estilo de usar a lei para abrir os cofres públicos a corporações bem organizadas também ameaça se repetir no Rio Grande do Sul. E isso que, no Estado, o setor público não tem dinheiro sequer para pagar a conta de telefone da Secretaria da Educação, muito menos o 13º da faixa menos aquinhoada do funcionalismo.
No caso do reajuste aprovado pelo Senado, não se pode dizer que o presidente eleito é novato nesse jogo em que os poderes se concedem aumentos e fecham acordos entre si para favorecer corporações - ele próprio representou uma delas ao longo de sete mandatos parlamentares. Mas o fato é que o Brasil votou por mudanças profundas, o que inclui uma grande renovação nos parlamentos e uma dramática redução do peso do Estado, com a qual se confronta o reajuste no teto salarial. Os atuais parlamentares, que seguem os ditames de práticas do passado, demonstram com seu gesto não terem entendido a extensão e o significado da nova voz das urnas.
OPINIÃO DA RBS
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