sábado, 24 de dezembro de 2022


ENTREVISTA

"No Brasil, mulheres têm pânico de envelhecer" Mirian Goldenberg | antropóloga

Especialista fala sobre preconceito que ainda assombra quem rompe padrões

Foi mandando um "f*da-se" que a estrela pop Cher, 76 anos, rebateu as críticas que tem recebido nas redes sociais por conta do namoro com um homem 40 anos mais jovem, o produtor musical Alexander Edwards, 36. No dia 6 deste mês, a norte-americana tuitou a seguinte mensagem para uma seguidora: "Você não tem nada pra fazer?! Deixa eu explicar? F*DA-SE O QUE AS PESSOAS PENSAM".

Assim como Cher, inúmeras celebridades mulheres tornam-se alvo de inquirição minuciosa do público e de xingamentos de "velha ridícula" e "baranga" quando, do auge de seus 60, 70 ou 80 anos, optam por viver suas vidas fora do padrão esperado para o tópico velhice feminina.

Para entender por que essas figuras causam incômodo e são alvo de discursos raivosos proferidos principalmente por mulheres, Donna conversa com a antropóloga Mirian Goldenberg, pesquisadora e autora de livros sobre o tema, como A Invenção de uma Bela Velhice e Amor, Sexo e Tesão na Maturidade, este com lançamento programado para início de 2023.

Na sua perspectiva, as mulheres sentem-se mais autorizadas a tecer críticas cruéis umas às outras quando estão aprisionadas a um rótulo que diz "eu só tenho valor pela minha idade", fenômeno que ocorre com força no Brasil, onde o corpo feminino é visto como um capital.

- O que mais me angustia é que as próprias mulheres se aprisionam internamente e não aceitam as escolhas femininas, não admitem serem valorizadas por outras coisas que não a juventude, o corpo e a beleza. Porque, quando você critica uma mulher como a Cher, que escolhe um homem mais jovem, você está dizendo "seu valor só está na juventude, na beleza, no corpo e, quando você envelhece, não vale nada, é invisível". E isso não é verdade - afirma Mirian.

O que significa o termo "velhofobia", que você utiliza quando trata de casos como o da Cher?

No Brasil, principalmente, nós, mulheres, temos pânico de envelhecer e é isso que eu chamo de "velhofobia". Começa cedo e continua ao longo da vida. Tenho alunas de 25, 30 anos dizendo "ai, meu Deus, não tenho filho, marido, como é que vai ser? Vou ser uma velha...". É o fato de enxergar somente decadência na velhice que as faz condenarem outras. Mulheres que dizem "vou viver minha vida, não sou um número, não sou um rótulo, sou uma mulher e ele me ama, me trata como rainha". Por sinal, algo que encontrei em minhas pesquisas com homens que são 10, 20, 30, 40 anos mais novos que suas esposas é que eles as admiram profundamente. E nada tem a ver com corpo, beleza e idade, tem a ver com caráter e personalidade. É isso que temos que inverter. Em um dos capítulos do meu novo livro, eu falo que é uma delícia ser uma "velha ridícula?". Quando alguém me disser isso eu concordo e digo "sou mesmo e é ótimo". Porque, na realidade, esse xingamento revela que você é livre, e está fugindo dos padrões sociais que dizem que a mulher tem que ser inferior ao homem até na idade.

Por que mulheres são tão criticadas mas, quando a situação é inversa, os homens são menos hostilizados?

Isso quer dizer que as mulheres estão mais aprisionadas no corpo jovem como um valor. O corpo como capital na cultura brasileira funciona assim: você é mulher, então o seu maior valor é sua juventude, seu corpo, sua sensualidade e sua beleza. O homem é valorizado por outros capitais, por poder, status, dinheiro, inteligência, humor. Na Alemanha, na França, as mulheres envelhecem e saem com seus cabelos brancos, são valorizadas por outras coisas. Claro que não é só a cultura brasileira que valoriza corpo e juventude como capital, nos Estados Unidos também acontece, mas aqui é pior. Não por acaso somos a nação número um em remédios para emagrecer, moderadores de apetites, ansiolíticos, antidepressivos, cirurgia plástica e estética, botox, tintura para cabelo, e somos as que mais deixam de sair de casa quando nos sentimos velhas, feias e gordas.

Aqui é pior e, por causa disso, nós sofremos muito mais. E o sofrimento não é um fracasso individual, é cultural. Todas as brasileiras sofrem. Mesmo as libertárias, como eu, sofrem porque estão numa cultura em que a juventude é um capital e não há como você ser alienada da sua cultura.

O que falta para pararmos de reproduzir essas falas?

Sou pesquisadora há mais de 30 anos e faço o meu papel, mas sou só uma. Precisamos de mais e mais mulheres que lutem para se libertar e libertar outras mulheres. E esse "se libertar" quer dizer parar de rotular, de patrulhar e de querer colocar as mulheres em caixas de "jovem" e "velha". É deixá-las fazerem as suas escolhas. E, atenção, porque hoje também existe um movimento contrário, as novas patrulhas que dizem "tem que deixar o cabelo branco, tem que transar três vezes na semana, se não você não é feminista, não é libertária". O que eu acredito é que cada mulher pode e deve escolher o que ela bem entender, desde que não esteja agredindo ninguém. Liberdade quer dizer cada uma poder escolher envelhecer do jeito que bem entender. Quer namorar caras mais novos? Namora. Não quer namorar nunca mais na sua vida? Não namora.

Falta sororidade entre a mulheres?

Uma das coisas de que eu mais falo nos meus livros é de como as mulheres, tanto as mais jovens como as mais velhas, não aceitam diferenças, não aceitam mulheres mais livres e revolucionárias, mulheres meio Leila Diniz, que revolucionaram os comportamentos nos anos 1960 e 1970. Tudo o que estamos conversando nesta entrevista só tem sentido porque, nessas duas décadas, elas revolucionaram tudo em termos de sexo, corpo, casamento, maternidade, divórcio, pílula, prazer. São as que envelheceram e hoje têm a idade da Cher.

E elas não vão deixar de lado o que conquistaram por terem chegado à velhice, certo?

Exatamente. As mulheres que nos anos 1960 e 1970 revolucionaram tudo não vão deixar a velhice ser igual ao que era para gerações anteriores. Elas fizeram a revolução naquela época e agora estão fazendo a da maturidade, na medida em que ensinam a enxergar a beleza do envelhecimento. Porque beleza tem muito mais a ver com liberdade e felicidade do que com idade e corpo. Essa é a revolução, é mudar o olhar. Numa cultura que só enxerga beleza, saúde e produtividade nos jovens, a grande revolução vai ser tirar os óculos da velhofobia e enxergar a beleza da velhice. Essa é a grande revolução.

Letícia Paludo

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