26 de janeiro de 2014 |
N° 17685
MARTHA MEDEIROS
Realidade e percepção
Quando se diz que uma imagem vale mais do que mil
palavras, logo pensamos em cenas e fotografias que não carecem de explicação: a
força de sua mensagem dispensa legendas. Mas imagem não é apenas algo que se
enxerga concretamente.
Quando vi a foto do caixão de
Ronald Biggs coberto pela nossa bandeira, sabia que aquilo significava apenas
uma homenagem do filho brasileiro que o ladrão inglês teve, mas,
subliminarmente, a imagem também fazia uma associação indigesta entre o
banditismo e as cores verde e amarelo. Essa imagem negativa que temos do nosso
país não é gratuita. Por maior que seja a quantidade de brasileiros honestos,
incluindo até alguns políticos, não adianta: o Brasil tem um histórico de
corrupção e violência que induz a essa percepção.
Percepção é algo que se constrói
dia após dia, fato após fato, e que uma vez consagrada, é difícil mudar. Mesmo
que todos os trens da Inglaterra partam e cheguem com atraso nos próximos
meses, será preciso anos para desfazer a imagem que aquele país tem de pontual.
O contrário também acontece. Ronald Biggs, depois que fugiu para o Brasil, não
roubava mais nem no troco, era apenas um aventureiro que se transformou em uma
folclórica subcelebridade. O episódio do assalto ao trem pagador, cinco décadas
antes, foi deixado de lado em prol da construção de uma imagem de anti-herói, e
ele acabou sendo enterrado com cobertura da imprensa.
Poucas coisas são tão fortes
quanto a imagem que a gente cria. E como todos gostam de saber com quem estão
lidando para evitar surpresas, essa imagem vira referência e pode agir a nosso
favor e também contra - preconceitos vêm daí.
Nem todo alemão é sisudo, nem
todo baiano é preguiçoso, nem todo gaúcho é machista, mas essa é a “foto” que
guardamos deles em nossos porta-retratos mentais. Estereótipos de grupo.
Individualmente acontece a mesma coisa. A sua vida passa como se estivesse numa
esteira de linha de produção, até que um dia você ganha um rótulo – que não
veio do nada, você de certa forma colaborou para ser etiquetado como um fofoqueiro,
um bebum, um mulherengo.
E também colaborou para ser
reconhecido como um cara focado, um homem responsável, um sujeito que cumpre o
que promete. Você pode mudar? Pode. Para melhor e para pior. A vida é longa.
Angelina Jolie passou de bad girl a cidadã ativista e de família - adotou
crianças, visitou países assolados pela fome, a nossos olhos virou outra
pessoa.
Mas, para comuns mortais, é bem
mais penoso reverter a própria imagem. A imprensa não cobre.
Rótulos, mesmo os bons, são
limitadores. O ideal seria que pudessem esperar qualquer coisa de nós, já que
somos mesmo capazes de surpreender. Mas o mundo se apega às certezas, não às
dúvidas. Então, tenha em mente que tudo o que você faz (e principalmente o que
você repete) ficará arquivado na memória daqueles com quem convive, e será um
trabalhão desfazer essa imagem. Não que seja impossível, mas vai exigir mais do
que mil palavras.