LUCIANO ALABARSE
Choro que acalma
Torquato Neto abriu o gás do
banheiro e se matou aos 28 anos. Sua curta vida emoldura à perfeição o período
em que florescem, paralelas e avassaladoras, a ditadura e a contracultura
brasileiras. Guardo até hoje, como tesouro inegociável, uma cópia da primeira
edição de Os Últimos Dias de Paupéria, sua obra testamento. O piauiense
pertence à nobre linhagem dos que rebentam as fronteiras entre vida e arte.
Suas letras musicadas ainda hoje
me perturbam. Só a admiração ilimitada que devoto à sua obra explica meu gesto
de arrancar das mãos do Mauro Soares um inesperado Pra mim Chega, sua biografia
nunca lida. Inveja digna do Iago do Shakespeare. Olhando como olharia uma
criança impertinente e restabelecendo a ordem civilizatória, Mauro me obrigou a
devolver o livro surrupiado, que sequer lhe pertencia. Zeca Kiechaloski, o dono
legítimo, dias depois me mandou o exemplar, e eu o li como um dos melhores
presentes que já ganhei na vida.
O autor Toninho Vaz nos conta
algumas histórias preciosas. Sobre Cajuína, aquela do “existirmos – a que será
que se destina?”, soube que Caetano a compôs logo após visitar o dr. Heli, pai
de Torquato, em sua primeira visita a Teresina após o suicídio, e que foi ele
quem deu ao baiano, colhida do jardim de sua casa, “a rosa pequenina” da letra
inspirada. Seu Heli revela que Caetano chorou muito nesse encontro. Tantos anos
depois, devorando a esgotadíssima biografia, eu também.
Chorei outra vez ao ler Miserere,
novo livro de Adélia Prado. Logo no primeiro poema, a mineira avisa: “Cheiramos
mal, a maioria, e sofremos de medo, todos”. Entre o terror e a piedade,
elementos constitutivos da escritura trágica, Adélia escolhe somente o primeiro
e, amalgamando maravilhamento e desconforto, nos mostra porque é hoje a voz
mais poderosa da poesia brasileira. Apesar de ter certeza de que “é melhor ser
alegre que ser triste”, gosto de chorar. Chorar me acalma.
Choro por bobagens e momentos
relevantes, por amores que já partiram e pelos que ainda estão na batalha.
Choro nos shows de Bethânia e também quando me bate saudade do Caio Fernando e
da Elis. Chorei de emoção ao ler Fim, da Fernanda Torres, o melhor livro de
estreia de um autor brasileiro em muitos anos. Já chorei até lendo Um Gato de
Rua Chamado Bob e vendo o Félix dando show na novela das nove, que um bom
melodrama tem em mim o seu valor e lugar.
Chorão assumido, “respeito muito
minhas lágrimas mas ainda mais minha risada”. Ainda bem. Entre gargalhadas e
lágrimas, cercado pelos meus amigos de teatro, consigo visualizar um mundo
melhor. Zé Adão Barbosa, Dilmar Messias, os citados Mauro Soares e Zeca Kiechaloski,
Marcelo Ádams, Arthur de Faria, Deborah Finocchiaro e Luiz Paulo Vasconcellos
estão aí, inteiraços, a me provar que, sim, “a alegria é a prova dos nove”.
Brava gente essa, sábia gente essa, a do teatro porto-alegrense. Fernando
Zugno, Gustavo Susin e Pingo Alabarce estão aí e não me deixam mentir. Nem a
parar de rir, o que é ainda melhor.