VINICIUS TORRES FREIRE
Mais
gente na boca do leão
Aumento mais rápido da renda e IR "congelado"
sujeitam mais brasileiros a pagar imposto na fonte
UMA PARCELA maior dos brasileiros tem rendimento do trabalho
suficiente para ser obrigado a pagar Imposto de Renda na fonte, em particular
depois de meados da década passada, quando a renda passou a crescer mais
rapidamente.
O motivo da mordida não é, claro, apenas o crescimento dos
salários. Na prática, tem havido um aumento silencioso do Imposto de Renda,
como é sabido.
O salário é isento de IR na fonte até um certo limite. Se
esse limite não muda ou se aumenta menos que os salários, mais gente passa a
ter imposto retido na fonte; mais gente paga mais imposto.
De 1996 a 2013, a inflação foi de 206%. De ponta a ponta, a
tabela do IR foi corrigida em cerca de 98% (considerando os valores que valem
para 2014).
De vez em quando, surge um protesto contra a
"defasagem" da tabela do IR, que é um modo clássico de aumentar
imposto na maciota em muito lugar do mundo, pobre ou rico.
No ano passado, voltou a haver um zum-zum a respeito da
correção da tabela. Isto é, na prática, uma conversa com o objetivo de reduzir
o IR e o número de pessoas sujeitas a pagar Imposto de Renda na fonte (o que,
claro, reduziria a receita potencial do governo).
No Brasil, a história é velha e conhecida pelo menos desde o
fim da hiperinflação, em 1994-1995. O governo FHC reajustou a tabela do IR em
1995 (para valer no ano de 1996). O reajuste seguinte passaria a valer apenas
em 2002. Nesse ínterim, a tabela ficou congelada. Aliás, foi apenas sob pressão
enorme que o governo então cedeu ao reajuste, pois estava na pindaíba, e o
Brasil estava em crise das ruins.
No fim das contas, o efeito do congelamento da tabela do IR
acabou sendo pequeno, pelo pior motivo. Como a renda cresceu pouco, menos gente
caiu na boca do leão.
Nos anos de governos petistas, a política de reajustar a
tabela do IR por um índice inferior ao da inflação continuou, mas os reajustes
foram, claro, muito maiores que os dos anos FHC. No entanto, com o crescimento
mais rápido da renda, mais gente ficou sujeita a ser mordida pelo fisco.
Nos anos FHC, a renda média do trabalho dos brasileiros equivaleu
a algo entre 55% e 60% do limite de isenção do IR. Nos anos Lula, passou a 77%.
Sob Dilma (até 2012), a cerca de 91%. Isto é, a renda cresceu bem mais rápido
que o limite de isenção do IR.
Entre o final dos anos FHC e o início de Lula, cerca de 85% dos
brasileiros tinham renda inferior ao limite de isenção; em 2012, cerca de 75%
(numa conta muito aproximada por faixas de renda).
A tendência, pelo menos, é evidente, ressalte-se: mais gente
pode ser mordida pelo leão.
Justo? Neste ano, quem ganha mais de R$ 1.787,77 por mês
(tributáveis) paga a alíquota mínima, de 7,5% (do salário até R$ 2.679. Para
cada faixa de salário, há alíquotas diferentes, até 27,5%, como se sabe).
A pergunta mais razoável, no entanto, é: se a tabela for
reajustada e a receita de impostos diminuir, como vai ser compensada a
diferença? Quem, além dos que vivem de salários, vai pagar mais? A hipótese de
o governo arrecadar menos, por motivos econômicos e sociais, está descartada
pelos próximos anos, talvez pela próxima década.