domingo, 19 de janeiro de 2014

VINICIUS TORRES FREIRE

Mais gente na boca do leão

Aumento mais rápido da renda e IR "congelado" sujeitam mais brasileiros a pagar imposto na fonte

UMA PARCELA maior dos brasileiros tem rendimento do trabalho suficiente para ser obrigado a pagar Imposto de Renda na fonte, em particular depois de meados da década passada, quando a renda passou a crescer mais rapidamente.

O motivo da mordida não é, claro, apenas o crescimento dos salários. Na prática, tem havido um aumento silencioso do Imposto de Renda, como é sabido.

O salário é isento de IR na fonte até um certo limite. Se esse limite não muda ou se aumenta menos que os salários, mais gente passa a ter imposto retido na fonte; mais gente paga mais imposto.

De 1996 a 2013, a inflação foi de 206%. De ponta a ponta, a tabela do IR foi corrigida em cerca de 98% (considerando os valores que valem para 2014).

De vez em quando, surge um protesto contra a "defasagem" da tabela do IR, que é um modo clássico de aumentar imposto na maciota em muito lugar do mundo, pobre ou rico.

No ano passado, voltou a haver um zum-zum a respeito da correção da tabela. Isto é, na prática, uma conversa com o objetivo de reduzir o IR e o número de pessoas sujeitas a pagar Imposto de Renda na fonte (o que, claro, reduziria a receita potencial do governo).

No Brasil, a história é velha e conhecida pelo menos desde o fim da hiperinflação, em 1994-1995. O governo FHC reajustou a tabela do IR em 1995 (para valer no ano de 1996). O reajuste seguinte passaria a valer apenas em 2002. Nesse ínterim, a tabela ficou congelada. Aliás, foi apenas sob pressão enorme que o governo então cedeu ao reajuste, pois estava na pindaíba, e o Brasil estava em crise das ruins.

No fim das contas, o efeito do congelamento da tabela do IR acabou sendo pequeno, pelo pior motivo. Como a renda cresceu pouco, menos gente caiu na boca do leão.

Nos anos de governos petistas, a política de reajustar a tabela do IR por um índice inferior ao da inflação continuou, mas os reajustes foram, claro, muito maiores que os dos anos FHC. No entanto, com o crescimento mais rápido da renda, mais gente ficou sujeita a ser mordida pelo fisco.

Nos anos FHC, a renda média do trabalho dos brasileiros equivaleu a algo entre 55% e 60% do limite de isenção do IR. Nos anos Lula, passou a 77%. Sob Dilma (até 2012), a cerca de 91%. Isto é, a renda cresceu bem mais rápido que o limite de isenção do IR.

Entre o final dos anos FHC e o início de Lula, cerca de 85% dos brasileiros tinham renda inferior ao limite de isenção; em 2012, cerca de 75% (numa conta muito aproximada por faixas de renda).

A tendência, pelo menos, é evidente, ressalte-se: mais gente pode ser mordida pelo leão.

Justo? Neste ano, quem ganha mais de R$ 1.787,77 por mês (tributáveis) paga a alíquota mínima, de 7,5% (do salário até R$ 2.679. Para cada faixa de salário, há alíquotas diferentes, até 27,5%, como se sabe).

A pergunta mais razoável, no entanto, é: se a tabela for reajustada e a receita de impostos diminuir, como vai ser compensada a diferença? Quem, além dos que vivem de salários, vai pagar mais? A hipótese de o governo arrecadar menos, por motivos econômicos e sociais, está descartada pelos próximos anos, talvez pela próxima década.