segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


27 de janeiro de 2014 | N° 17686
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Carreira literária

Em se tratando de letras e artes, a carreira não significa um estatuto predeterminado, com etapas progressivas que, normalmente, levam a regulares aumentos de salários. No domínio de que estamos falando, a carreira é uma construção individual, sujeita a avanços e recuos, cujo topo é um projeto de vida. 

O escritor, ao começar, não sabe onde vai chegar, mas elabora certa idealização, que pode ser o reconhecimento de sua cidade, de seu Estado, de seu país, o prêmio Nobel, e assim por diante. É preciso dizer, entretanto, que este esquema pode levar ao carreirismo, este fenômeno recente, surgido com o avanço da sociedade-espetáculo e do prestígio do individualismo, fenômenos que conhecemos muito bem. Dentro dessa premissa extraliterária, a preocupação do escritor não costuma ser com o domínio da arte, mas o que fará com a fama.

Trata-se de uma projeção arriscada, pois de repente tudo pode dar errado. Ao lado disso, há a pressa. Numa época em que uma cena de filme não pode durar mais do que cinco segundos, a pressa com a carreira substitui a aquisição progressiva da competência para a escrita. Quem costuma acompanhar as etapas iniciais da formação de escritores espanta-se quando é procurado para dar uma opinião quanto à edição de um livro, como se contrata agente para publicá-lo, como será o esquema publicitário, quais os valores envolvidos etc., para depois descobrir que o livro não passava de uma vaga ideia de seu futuro autor.

Esta inversão, perversa por si própria, pode gerar frustrações sem conta, ao lado de uma amargura geral contra a literatura e contra os leitores. Alejo Carpentier, o grande escritor cubano, gostava de dizer que a literatura é a mais longa das carreiras, mas quando o escritor “chega lá”, seus leitores o acompanham em todos os seus sonhos. Essa “mais longa das carreiras” significa que não prescinde de um aprendizado, feito no quotidiano e na persistência.


Por grande sorte, temos uma camada importante da literatura brasileira que é feita por jovens com paciência, e que não se sentem diminuídos em dizer que têm muito a aprender, e que sabem: tal como a natureza, na literatura não há saltos, por ser o resultado de um acúmulo de conhecimentos que a cultura construiu no tempo. Os outros, os sôfregos pela fama, poderão encontrá-la por algum tempo, mas não falemos nas consequências.