12 de agosto de 2015 | N° 18257
MARTHA MEDEIROS
Amores livres
Por mais que a gente se considere cabeça aberta, a nova série do GNT, Amores Livres, causa alguma perturbação, pois ela arromba (com delicadeza) o quartinho dos fundos onde armazenamos nossas convicções e nos apresenta um mundo com o qual a gente pouco convive: o da liberalidade absoluta. Os puritanos rangerão os dentes e apontarão o dedo, denunciando: é imoral! Não é. É amoral. Outra história.
O sujeito imoral está em desacordo com as regras de conduta. Age contra princípios éticos (caso do médico especialista em fertilização que foi condenado por estupro de pacientes, por exemplo). Já o amoral é destituído de senso moral. Não é contra nem a favor de nada. Cria as próprias regras sem querer provocar ninguém.
Amores Livres, no meu entender, é amoral – o que eleva a discussão, não fica na dicotomia entre certo e errado. No primeiro episódio, apresentou a relação amorosa de um homem e duas mulheres que formam um trio fiel entre si: eles estão fechados num arranjo particular. Não é fácil. São criticados pelos amigos. Desprezados pela família. Mas é assim que se sentem plenos, realizando seus desejos a três.
Se não é fácil para eles, que assim escolheram viver, para nós, adeptos das relações convencionais, é ainda mais embaraçoso. Nossas fantasias secretas estão ali, sendo experimentadas a céu aberto por pessoas que vivem no bairro vizinho, com quem cruzamos diariamente no supermercado.
Não há como não se impressionar com o desprendimento deles ao abrirem sua experiência num programa de televisão – que, diga-se, não é trash. As entrevistas são conduzidas por João Jardim, cineasta sensível e mestre em documentários. Me senti grata por permitirem que eu espiasse pelo buraco da fechadura e conhecesse de perto a intimidade de desconhecidos e sua coragem em desafiar conceitos monogâmicos.
Tive uma amiga que viveu essa experiência. Ela já faleceu e nunca conversamos abertamente sobre esse assunto, o que hoje lamento. Ela sabia que a situação me desestabilizava. Eu ficava dividida entre o espanto e a admiração: o preconceito me atormentava de um lado, mas a autenticidade dela me comovia.
Assistindo a Amores Livres, desejei muito que ela estivesse viva para assistir a esse programa que, de certa forma, ajudaria a fazê-la se sentir menos excluída e que me incentivaria a tocar no assunto a fim de entender sua escolha. Porque é para isso que servem esses projetos ousados: para conversarmos a respeito e ampliar as fronteiras da compreensão.
Hoje à noite irá ao ar o segundo episódio. Agarre-se nos braços da poltrona e mantenha as mãos controladas, sem apontar dedos. Disponha-se a aceitar que o que parece devasso pode ser apenas a manifestação de uma pureza extrema.