19 de agosto de 2015 | N° 18266
DAVID COIMBRA
As manifestações não foram pela volta da ditadura
É desonestidade intelectual afirmar que as manifestações de domingo passado foram pela volta da ditadura.
Não foram, e todos sabem disso.
O cartaz caseiro que aquela madame segurava, perguntando “Por que não mataram todos em 64?”, as faixas com erros grotescos de português, tipo “Verás que o filho teu não foje á luta”, as bobagens de “Volta, Sarney”, os abobados que se ajoelharam em frente a um quartel do Exército, tudo isso que foi ressaltado pelos governistas depois das passeatas não passa de folclore.
Eles, os governistas, e mesmo os alucinados que falam em volta da ditadura, estão plenamente conscientes de que a pauta das manifestações era protestar contra o governo.
Contra Dilma. Contra Lula. Contra o PT. Contra o governo. Era isso. Exatamente isso. Ponto.
Houve manifestações por todo o Brasil, em todos os Estados da federação. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas. Quem tiver a intenção de diminuir o que ocorreu não arranja cem aloprados para reforçar sua tese: arranja mil. Arranja 10 mil.
No mesmo dia, houve outra manifestação, na frente do Instituto Lula, esta a favor do governo. Entre as centenas de pessoas que lá estavam, despontava uma liderança: a do presidente da CUT. Dias antes, dentro do Palácio da Alvorada, esse líder pregou que as pessoas saíssem às ruas de armas na mão a fim de defender o governo.
Opa!
Armas na mão? Guerra civil? É isso mesmo? E os intelectuais governistas não disseram nada a respeito... Mas essa foi uma manifestação insignificante, com ônibus fretados, pagos com verba das contribuições sindicais. Não conta.
Vamos pegar uma maior: há dois anos, em junho, milhares de brasileiros saíram a protestar e, em meio às passeatas, black blocs quebraram lojas e agências bancárias, incendiaram carros, depredaram bens públicos, bateram em pessoas e até mataram um colega jornalista. Então, os intelectuais governistas falaram a respeito: disseram que se tratava de “uma pequena minoria”.
Ou seja: você escolhe a pauta. Pode ser a minoria. Ou pode ser a maioria.
Segundo pesquisas, dois de cada três brasileiros (a maioria, portanto) são a favor do impeachment da presidente.
Quem apoia a continuidade deste governo, hoje, além da ínfima minoria de intelectuais governistas?
Vou me valer de Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, para dar a resposta. Em entrevista ao Timeline Gaúcha, nesta semana, Araújo citou os apoiadores da presidente: a Fiesp, a Fierj, o Bradesco, os grandes empresários do Brasil. Esqueceu-se da Rede Globo, que dias atrás pediu, em editorial, que o governo fosse ajudado em sua luta pela estabilidade econômica. A elite branca endinheirada apoia o governo, pois.
Quem mais, além deles? Eu.
Também eu sou contra o impeachment, e tenho dito isso há muito tempo. Mas por razões diferentes: não acho, como os intelectuais governistas, que este seja um bom governo. Ao contrário, acho péssimo. E não defendo sua continuidade por questões econômicas, como os empresários ansiosos pelo fim da crise. Nem uma coisa, nem outra: não aprovo o impeachment, como pediram os manifestantes de domingo, porque não é democrático. Não neste caso, em que ainda não foi apresentada prova de envolvimento pessoal de Dilma com ilícitos.
Pela democracia, sou contra o impeachment. Pela democracia, sou contra violências como as praticadas pelos black blocs e defendidas pelo presidente da CUT. Pela democracia, aplaudo as manifestações pacíficas e legítimas de domingo passado. Mesmo que, em muitos pontos, não concorde com elas.