15 de agosto de 2015 | N° 18262
NILSON SOUZA
O OVO DA SERPENTE
Alguém já disse que a vida é muito curta para se lerem livros muito compridos, mas advertências como essa têm pouco efeito com a raça dos teimosos. Estou na reta final de Inverno do Mundo, segundo livro da trilogia O Século, do britânico Ken Follet. São quase 900 páginas de um recorte da História que inclui a ascensão do nazismo, a II Guerra Mundial, a guerra civil espanhola e as bombas atômicas que fizeram aniversário de sete décadas (triste aniversário) neste assustador agosto.
Sugiro a quem não tem fôlego para os três volumes de Follet (cerca de 3 mil páginas) que pelo menos leia Hiroshima, de John Hersey, a tocante reportagem que reconstitui o horror da bomba que matou 100 mil pessoas, pela ótica de seis sobreviventes.
Ok, são leituras pesadas, mas creio que extremamente oportunas nestes tempos de crises, incertezas e ódios. Infelizmente, esquecemos rápido demais o que passou. Quando estive na Espanha, na década de 1980, fiquei impressionado com pichações do tipo “En el tiempo de Franco era mejor!”. Não podia ser. Nem no tempo de Franco, nem no de Stalin, nem no de Mussolini e muito menos no de Hitler. Regimes autoritários e cruéis, civis ou fardados, não são melhores, porque oprimem o ser humano, privam-no da liberdade e se impõem pelo medo, pela força e pela brutalidade.
Fascismo, nazismo e comunismo são dissecados pelos personagens de Follet, pessoas comuns, os verdadeiros protagonistas da História, embora os registros oficiais e os historiadores costumem se fixar nos governantes e nas lideranças políticas.
O mais chocante é constatar a ascensão e o crescimento do nazismo vistos pelos próprios alemães, por famílias atemorizadas, ameaçadas e violentadas pelos usurpadores do poder. O ovo da serpente nasce da ilusão de que o nacionalismo exacerbado resgata a autoestima e da ideia equivocada de que o arbítrio e a força solucionam dificuldades econômicas e desvios éticos.
Toda vez que a truculência substitui o diálogo, toda vez que as pessoas são impedidas de se manifestar por autoproclamados proprietários da verdade, toda vez que a irracionalidade se sobrepõe à humanidade, uma serpente garante a sobrevivência da sua espécie.
Livros compridos podem ser chatos, mas ajudam a lembrar de coisas que não devem ser esquecidas.