29 de agosto de 2015 | N° 18278
NÍLSON VARGAS
O SHOW DE AGOSTO
Carla Bruni e Sarkozy passaram por aqui. O casal esbanjou simpatia em francês, ela cantou para poucos e ele correu na orla do Guaíba, entre o Gasômetro e o Beira-Rio. Deixaram boa impressão. Espero que tenham levado pelo menos um perfume de hospitalidade desta Porto Alegre de agosto, que acorda com o canto dos sabiás e estende tapetes de pétalas para habitantes e visitantes.
O melhor espetáculo desta travessia entre o inverno e a primavera é o protagonizado pelos ipês, jacarandás e flamboyants que espalham suas cores pelas ruas e calçadas da cidade. Nossas praças e parques nunca estiveram tão lindos, pintados pelo calor atípico que engana a natureza e antecipa a floração das árvores. Quando lembro que já nevou na Capital num dia 24 de agosto, três décadas atrás, penso que talvez o aquecimento global seja mesmo uma realidade.
Eu estava em São Borja naquele dia gelado de 1984, acompanhando como repórter a visita do então candidato Tancredo Neves ao túmulo de Getúlio Vargas, no 30º aniversário de sua morte. Vi o Neves – o presidente que não chegou a sê-lo –, mas não vi a neve na minha cidade. Durou pouco, apenas o suficiente para tingir de branco alguns telhados e capôs de automóveis, como mostram as fotografias da época.
Agosto é sempre um show inédito neste cantinho do planeta.
Como Sarkozy, também faço as minhas corridinhas pela orla do lago que pensa que é rio, só que no extremo sul da cidade, entre os bairros Serraria e Ipanema. Também lá os carros passam ao lado do passeio de pedestres, mas a poluição não é tão intensa quanto a percebida pelo ex-presidente francês em sua breve incursão pela área central.
A Zona Sul é tudo de bom, diz um decalco ufanista que alguns dos meus vizinhos de bairro colam em seus carros. Não sei se é tanto assim, mas, na comparação com outras áreas da cidade, parece mesmo que nossas várzeas têm mais flores e nossos bosques têm mais vida. As calçadas de Ipanema, Espírito Santo, Guarujá e Serraria parecem tapetes de Corpus Christi, sem tinta e serragem.
Como numa inspirada canção de antigamente, nós, os caminhantes, pisamos distraídos nas pétalas sem perceber que a ventura desta vida é o caminhar – e não exatamente o caminho.