01 de dezembro de 2016 | N° 18703
DAVID COIMBRA
Na rua, de mão no bolso
Ainda é escuro quando acordo. O fuso horário faz com que tenha de estar desperto, alerta e bem informado antes das 7h, para fazer o Timeline, da Gaúcha. Então, levanto mais ou menos na hora em que ia dormir em românticas e priscas eras. Para complicar, a Marcinha precisou viajar nesta semana. Só nós, homens, estamos em casa. Pode ser divertido, mas, de manhã, tenho de levar meu filho à escola. Ou seja: é necessário acordar mais cedo ainda.
Assim, às 8h da manhã já li, me informei, participei de um programa de rádio, fiz café, ajudei meu filho a se arrumar e corri com ele até a escola – o trajeto há de ser feito em 10 minutos a passo largo. O Principal, que é como eles chamam o diretor, está sempre à porta de entrada, recebendo os alunos. Ele vê o Bernardo e o saúda:
– Hi, Bernie! Everything alright, pal?
O Bernardo sorri e diz que está tudo bem. Ele gosta do Principal.
Nesse momento, quando dou as costas para a escola, me bate certo torpor. Enfio as mãos nos bolsos e sigo caminhando devagar. Mesmo que quisesse, não conseguiria me apressar. Fico olhando o movimento da cidade sem pensar em nada, apenas sentindo nas têmporas o ar fino da manhã.
A maioria das lojas continua fechada, mas todos os cafés estão abertos e em grande atividade. Muita gente toma o desjejum fora de casa. Há uma coisa que americano adora fazer: eles entram num desses Starbucks da vida e saem de lá com um enorme copo de café. Vão sorvendo os goles a caminho do trabalho. Cruzo por um monte de gente com esses copos na mão. Se nossos olhares esbarram, eles invariavelmente sorriem e cumprimentam:
– Como está indo? Vou bem, vou bem.
O dia está começando e não estou correndo. Estou caminhando com a mão no bolso. Isso me dá uma sensação agradável. Um dia, entro numa dessas cafeterias e saio de lá com um copão de café na mão e vou bebendo pela rua, que nem esses americanos e, quando um deles me olhar nos olhos, perguntarei:
– Como vai indo? Ele dirá que está bem. É certo isso.
Estou voltando para casa para continuar o trabalho, ainda há muito a fazer, mas há algo que me empurra a seguir caminhando a esmo, a parar diante da vitrine da livraria fechada e ficar admirando os livros. Tanta coisa boa por ler...
Por que flanar pela calçada e passar por pessoas sorridentes, por que apenas isso, tão simples, tão comezinho, por que me parece especial?
Antes de chegar em casa, descubro: é que sou brasileiro.
No Brasil, que é o lugar do qual gosto, não posso fazer isso.
Foi roubado do brasileiro da grande cidade o prazer singelo de andar pela rua sem preocupação. Levar o filho à escola e voltar com uma mão no bolso, tendo na outra um copo de café. Basta. Não precisamos de muito, além disso. É pedir demais?