quinta-feira, 1 de dezembro de 2016


01 de dezembro de 2016 | N° 18703
EDITORIAIS

MEDIDAS DE RETALIAÇÃO


Contrariando a vontade da população, que vem manifestando apoio inequívoco à Operação Lava-Jato e a tudo o que ela representa em termos de moralização da política nacional, a Câmara dos Deputados desfigurou o projeto das medidas de combate à corrupção e incluiu nele mecanismos de intimidação a juízes, procuradores e agentes policiais que investigam governantes e parlamentares. 

A votação realizada na madrugada de ontem culminou com o acréscimo ao projeto de dispositivo que prevê punições rigorosas para o abuso de autoridade praticado por magistrados, membros do Ministério Público e policiais. A reação foi imediata: ontem, integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato divulgaram uma nota de repúdio à decisão da Câmara e ameaçaram renunciar coletivamente caso a legislação seja sancionada.

Ninguém ignora que os investigadores da Operação Lava-Jato conquistaram merecido crédito junto à população ao desmontar o maior esquema de corrupção já apurado no país, prendendo corruptos e corruptores, e até conseguindo a devolução de parte dos recursos públicos surripiados. Ao mesmo tempo, é quase consensual que a classe política chegou ao fundo do poço da degradação, devido ao envolvimento de governantes, ministros, parlamentares e partidos nas irregularidades investigadas. Numa visão maniqueísta, sem maiores reflexões, fica fácil identificar mocinhos e bandidos.

No entanto, toda a radicalização e generalização é perigosa. Se é indesejável que qualquer categoria se mostre intocável, ainda é mais grave que os parlamentares desafiem o bom senso e a vontade da nação num movimento claro de autopreservação. Não haveria problema em uma discussão equilibrada, dialogada e racional sobre eventuais excessos de procuradores e juízes e sobre formas de se evitarem abusos de autoridade. 

Seria até salutar que todos os exageros, de qualquer poder, pudessem ser reavaliados e corrigidos adequadamente. Mas adotar esse caminho neste momento e dessa forma é uma clara intimidação e um gesto de represália contra a Lava-Jato, consumado numa madrugada que entra para a página da vergonha da história da Câmara dos Deputados.