07 de dezembro de 2016 | N° 18708
PEDRO GONZAGA
UM PROBLEMA DE BARBA
Lendo uma crônica do escritor português Valério Romão, num jornal de Macau, sobre figuras bizarras que habitam todas as cidades humanas, e de como podem ser matéria para a literatura, dou-me conta de quão bizarra pode soar agora aos meus leitores essa minha leitura. Igualmente esquisita é minha tendência de ficar remoendo palavras que leio, no caso “bizarria”, que estava na chamada da crônica do Valério no Hoje Macau. Primeiro repasso a sonoridade, escandindo consoante e vogais, depois me ocupo do significado. E aqui vai um abraço ao amigo Deonísio da Silva, que há anos investiga e divulga a origem das palavras.
Vou aos dicionários etimológicos. Bizarro, adjetivo. Logo descubro – que festa quando isso acontece – que a palavra tem origem obscura. Crê-se que passou do espanhol, ao italiano, ao francês e só depois ao inglês. Antes de ter o sentido de estranho, incomum, significava bravo, feroz. Uma explicação é que viria do basco, significando inicialmente “barba”, pois era assim, com bizarras barbas, que lutavam os soldados bascos.
Outra explicação, que me parece mais confiável, diz que bizarro era associado aos soldados espanhóis, talvez os bascos, por lutarem com coragem e fúria. Como usavam barba e se comportavam de modo excêntrico, esta seria uma explicação para o segundo sentido, o nosso, que a palavra adquiriu.
Lembro certa vez de ter lido, ou visto, ou ouvido (já preparo um processo contra a internet que transformou minha memória num fondue), um escritor reclamar que em conversas de escritores os outros sempre queriam saber como ele escrevia, não porque estivessem curiosos, mas para ver qual era o nível de bizarrice de suas práticas.
Creio que escrevemos, acima de tudo, para que alguém nos diga, não se preocupe, eu também sou assim, ou, não se apoquente, eu coleciono garrafas térmicas, ou, dá-me cá um abraço, cronista, bizarro é estar vivo como alguma coisa feito gente.
Em geral, contudo, seguem chegando mensagens pedindo para que eu tome tendência.
Eis uma expressão maravilhosa: tomar tendência.
Mas a tendência de quem?