13 DE JANEIRO DE 2018
ABRÃO SLAVUTZKY
O DIVÃ DO POETA
Quando Drummond fez 80 anos, mudou mais uma vez, pois passou a dar entrevistas. Perguntado sobre seus famosos poemas eróticos, disse que buscou "enaltecer o lado físico do amor numa linguagem poética e com dignidade". Só autorizou a edição em livro cinco anos após sua morte. Em 1992, foi publicado O Amor Natural. Suas poesias líricas exaltam o abraço dos amantes como experiências cósmicas. Portanto, escreve sem pudores sobre o membro, a bunda, o clitóris, o orgasmo, integrando o corpo e a alma. Expressou no erotismo o ser gauche na vida, sua alegre liberdade.
Recentemente, li Dossiê Drummond, de Geneton Moraes Neto, uma das melhores leituras do ano. No prefácio, escrito por Paulo Francis, este assegura que é a melhor entrevista de Drummond. Foi feita poucas semanas antes de sua morte, onde diz, por exemplo: "Fui mais poeta pelo desejo e pela necessidade de exprimir sensações e emoções que me perturbavam o espírito e me causavam angústia. Fiz da minha poesia um sofá de analista.
É esta a minha definição do meu fazer poético". Isso porque teve uma infância difícil e triste, além de uma mocidade tumultuada. Expressou em sua obra os conflitos e contradições vividos. Desenvolveu desde adolescente um gosto pela transgressão social, juntamente a um apego aos valores da ordem. Conviveu com um lado revolucionário e outro conservador. Drummond foi um amante da liberdade, um rebelde, um anarquista. Viveu com seus paradoxos na vida íntima e pública.
Um exemplo de rebeldia ocorreu no episódio em que escreveu defendendo a cantora Nara Leão. Ela havia feito críticas à ditadura militar, estava ameaçada de prisão, e o poeta publicou o poema Apelo: "Meu honrado marechal/Dirigente da nação/Venho fazer-lhe um apelo/Não prenda Nara Leão/ (...) A menina disse coisas/De causar estremeção?/Pois a voz de uma garota/abala a revolução?". E concluiu: "Meu ilustre marechal/Dirigente da nação/Não deixe, nem de brinquedo/Que prendam Nara Leão". A poesia e a música unidas desafiaram a ditadura com o humor ímpar do Drummond.
Também expressou em poemas sua vida pessoal, que só com o tempo foram sendo entendidos. Por exemplo, em Campo de Flores expôs sua intimidade amorosa: "Deus me deu um amor no tempo de madureza,/quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme./Deus - ou foi talvez o Diabo - deu-me este amor maduro,/e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor".
Ele se referia à namorada, Lygia Fernandes, uma segunda esposa, fartamente entrevistada no final do livro Dossiê Drummond. Conviveram quase diariamente durante 36 anos. Os poemas de O Amor Natural expressam a vitória de Eros, pois o erotismo transcende a traumática realidade. Como também já tinha escrito Macedonio Fernández, um dos gurus do velho Borges: "A morte ganha da vida/O amor da morte!". Na poesia, Eros é mais cantado que o poderoso Thanatos da Psicanálise.
O divã do poeta foi escrever, buscando assim seus desejos e mantendo o sentimento do mundo. Nós, através da leitura, podemos aprender a levitar diante dos pesos da existência. Só a leveza pode abrir as portas do humor, que tão bem rima com amor. Além de tudo, a poesia de Carlos Drummond de Andrade segue nos conduzindo ao coração do mundo.
ABRÃO SLAVUTZKY