quarta-feira, 31 de janeiro de 2018



31 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA

O moletom do Mickey

Gosto do meu moletom do Mickey. Ele é confortável e azul-escuro e tem um capuz muito bom e a cara sorridente do Mickey bem grande estampada no peito. Comprei na Disney. Era uma noite em que fazia muito frio e eu estava desprevenido, achando que na Flórida sempre é quente e acolhedor. Então, entrei numa daquelas lojinhas deles e vi esse moletom. Olhei para o Mickey ali desenhado, tão simpático com suas orelhonas, e pensei: por que não? Vesti-o na loja mesmo e me afeiçoei.

Depois, nos dias de inverno inclemente do Norte, várias vezes acordava ainda em meio ao breu da madrugada, para fazer o Timeline, da Gaúcha, enfiava meu moletom pelo pescoço e ia preparar o café sentindo-me mais jovial. Participava alegremente do programa, dentro do meu moletom. Mas, um dia, o Potter ralhou:

- Fica ruim tu entrevistar um ministro de moletom do Mickey.

A Marcinha fez coro:

- Ele está certo. Não tem cabimento tu andar por aí com esse moletom do Mickey!

Com o que, dobrei tristemente meu moletom e o acomodei em uma prateleira alta do roupeiro, suspirando:

- Adeus, querido ratinho...

Faz uns dois anos que isso aconteceu. Desde aquele dia, tenho pensado em jogar para o alto as convenções e voltar a vestir, orgulhosamente, meu moletom do Mickey. Estava até decidido a cometer esse ato de rebeldia ainda em janeiro, até que, nesta semana, vi aquele vídeo da quase ministra do Trabalho. Você sabe do que estou falando: a deputada Cristiane Brasil, candidata a ministra, aparece a bordo de uma lancha cercada por homens sem camisa. Eles são fortões, grandes e estão depilados. A deputada fica pequena perto deles. Seu queixo está à altura dos mamilos do mais alto. Ela começa a falar defendendo sua nomeação ao ministério, e os sujeitos concordam:

- É isso aí, ministra!

Assisti ao vídeo nas redes e no Jornal Nacional. Confesso: não prestei a mínima atenção ao conteúdo da fala da quase ministra e de seus apoiadores brutamontes. A forma, digamos, pouco ortodoxa do vídeo suplantou e ofuscou a mensagem. Não que achasse o vídeo indecente, como alguns acharam, nada disso. Achei apenas esquisito, o que bastou para que o teor do discurso da deputada se esfarelasse.

Foi aí que dei razão ao Potter e à Marcinha: a bela apresentação não garante a qualidade do produto, mas a embalagem desleixada é um dado que depõe contra o conteúdo. Se houve descuido na capa, é provável que tenha havido também no interior. É preciso ficar atento. Não vou mais vestir meu moletom do Mickey.

DAVID COIMBRA