quarta-feira, 31 de janeiro de 2018


31 DE JANEIRO DE 2018
PEDRO GONZAGA

UMA APOSTA


Um banqueiro e um jurista, depois de uma acalorada discussão sobre a pena de morte, resolvem fazer uma aposta. O banqueiro, defensor da execução por princípios humanitários - quem haveria de preferir um verdugo que nos mata lentamente, ano a ano, a um que agisse de imediato e com pouco sofrimento -, é confrontado pelo jurista que alega ser qualquer vida melhor que nenhuma vida. Disposto a tirar a discussão de um plano teórico (e quem já não quis fazer isso?), o banqueiro aposta dois milhões como o jurista não aguentaria cinco anos confinado a um quarto. 

Talvez pela bebida, talvez pelos arroubos da juventude, o desafiado aumenta para 15 anos a temporada de reclusão. E assim os dois selam o estranhíssimo acordo. O preso teria direito a um piano, vinho e tabaco, os livros que desejasse, e teria por restrições não poder se comunicar com ninguém nem abandonar o aposento, localizado numa casinha ao fundo da propriedade do banqueiro.

E os anos passam velozes neste magnífico conto do Tchekhov, chamado Uma Aposta. O jurista aguentará os anos trancafiado, lendo feito um louco, obras de todos os tipos, dos clássicos aos livros de ciência e de teologia, crendo e descrendo na humanidade, imerso na solidão que tantos leitores conhecem, a um só tempo libertária, fantasiosa e fatal. Do lado de fora, tendo feito maus negócios, atacado pela idade e pelas derrotas, o banqueiro vê se avizinhar o fim do prazo. 

Se antes dois milhões eram nada, agora ter de pagá-los representará sua ruína. Por isso, resolve, na calada da noite, dar cabo de seu prisioneiro. Já dentro da peça, em que se depara com um homem frágil, a dormir, encontra uma carta a si endereçada. Nela o prisioneiro alega que não quer o dinheiro, que nada mais na experiência humana pode surpreendê-lo ou encantá-lo. Depois de ter vivido grandes horas na companhia dos maiores autores, depois de tê-los amados e deles se cansado, que lhe importavam o dinheiro e outras glórias.

Dividi com vocês esse conto porque nas férias o leitor é sempre um pouco esse jurista. Finalmente há tempo para as leituras adiadas, as mais queridas, que nos sequestram com facilidade do mundo sensaborão dos debates políticos, dos artistas de temporada, das polêmicas de dois dias. Mas é também um alerta ao perigoso chamado ao isolamento.

Aposta, no entanto, é aposta. E mesmo depois de 30 anos, eu diria ao banqueiro:

"Paga y no bufa!".

pdgonzaga@icloud.com - PEDRO GONZAGA