22 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA
No Brasil deles, o que vale para preto não vale para branco
Por algum motivo, lembro com pormenores da última cena da matéria do Jornal Nacional sobre a prisão do traficante Rogerinho 157, ocorrida semanas atrás. Curioso: o resto da reportagem está um pouco difuso na minha cabeça. Sei que os policiais fizeram selfies com ele e foram criticados por isso e não muito mais. Mas recordo exatamente como foi o encerramento da matéria: Rogerinho senta-se na parte de trás do camburão e SEUS TORNOZELOS SÃO ALGEMADOS.
Ninguém, na época, nem depois, nem agora, mas ninguém mesmo reclamou do tratamento dispensado a Rogerinho 157. Ninguém disse que seus pés acorrentados remetiam à escravidão, nem que era algo medieval, uma tortura, um abuso, um excesso.
Sabe por que ninguém disse nada disso?
Porque não é. Esse é um procedimento comum da polícia, e não apenas da brasileira.
Quando, porém, os tornozelos alvos de Sérgio Cabral foram algemados, houve gritaria em todo o país. Ora, Sérgio Cabral é um criminoso muitíssimo mais perigoso do que Rogério 157. Tem mais influência, mais poder, mais possibilidades de mobilizar asseclas que tramem sua fuga. E seus crimes são muitíssimo mais graves. Cabral saqueou o Rio de Janeiro com tamanha voragem, que arrastou para a falência um Estado que tinha tudo para ser pelo menos o segundo mais rico do Brasil.
Mas Sérgio Cabral é branco e da Zona Sul e Rogerinho é preto e do morro.
Há quem se revolte com um caso e não com outro por bruto racismo.
Há também os que foram impactados pelo recado que toda lei, em todo país justo, deve passar: "Isso pode acontecer comigo". Em resumo: o fato de alguém ser branco, rico, ter poder e morar na Zona Sul não lhe dá privilégios perante a lei, algo assustador para a elite brasileira.
E há, ainda, a sórdida e oportunista motivação política.
Para esses, se o algemado fosse outro branco da Zona Sul, digamos, Eduardo Cunha, haveria aplauso. E, se fosse um branco paulistano, digamos, Temer, haveria festa.
Esses, a ânsia deles é atacar a Lava-Jato para defender Lula. O raciocínio é simplório: a Lava-Jato é injusta e opera com objetivo promocional, a fim de alimentar a vaidade de seus expoentes. Se isso acontece com Cabral, aconteceria com Lula.
Todos os movimentos, hoje, dessa parcela (cada vez menor) da sociedade são para livrar Lula da cadeia. Sua própria candidatura a presidente só existe para colocá-lo à margem da Justiça. "Lula tem direito de ser candidato, o povo é que deve julgá-lo", dizem. Então, por que Maluf e Cunha estão presos? Eles foram eleitos... E Rogerinho 157? Ele também tem direito de ser "julgado pelo povo", em vez da Justiça constituída? Se você matar a sua sogra, concorrer a deputado e for eleito, estará livre da cadeia?
Que falácia é essa que tenta reduzir uma Justiça enfim eficiente, como a que existe nos Estados Unidos, por exemplo, a um aparato de uma direita truculenta e grosseira, como a liderada por Bolsonaro? Desde quando Justiça severa e punição correta são elitistas e direitistas? O Brasil foi saqueado e vilipendiado em amplitude e profundidade, tanto quanto o foi o Rio de Janeiro de Cabral. Cabral, aliás, é fruto dileto e produto direto desse esquema de rapinagem nacional. Vai ficar assim? Políticos eleitos ou populares serão inimputáveis?
Para eles, pouco importa desmoralizar o sistema judiciário brasileiro, atacar a honra de policiais, promotores, juízes e desembargadores e sabotar a Lava-Jato, que é o que de melhor aconteceu no país em décadas. Para eles, o que importa é salvar seus comparsas. É preservar seu projeto de poder.
E dane-se o Brasil.
DAVID COIMBRA