06 DE AGOSTO DE 2018
L. F. VERISSIMO
MMs
Esta é a história de João, que se apresentava como O Último Romântico e colecionava o que chamava de Momentos Mágicos, ou MMs. Tudo podia ser um MM para João. Um pôr do sol especialmente bonito, por exemplo. João telefonava para os amigos.
- Você está vendo?
- O que, João?
- O pôr do sol.
- Ó João! Você acha que eu não tenho mais o que fazer?
- Dê só uma espiada pela janela. Está espetacular. Um MM de primeiro grau.
- Tá bom, João...
Na mesa do bar onde a turma se reunia, era frequente o João interromper uma conversa, levantar um dedo e dizer:
- Ó...
- Que foi, João?
- Um MM. Nós neste bar, estes chopes, estes pastéis, nossa amizade... Um MM. Certamente um MM, mas já passou...
A boa vontade do João com o mundo e seus horrores (ele era o único da turma que considerava Bolsonaro um incompreendido) só diminuía quando ele pensava na transitoriedade de todas as coisas, inclusive os Momentos Mágicos. O otimista, o último romântico, o bom João se transformava, então, num filósofo cético, num Schopenhauer de botequim. Foi num destes períodos de depressão que João conheceu Martinha e os dois foram morar juntos.
Por algum tempo, João parecia ter voltado ao seu mundo perfeito cheio de momentos mágicos para compartilhar. Mas durou pouco. Foi a própria Martinha que contou o que houve. Ela acordara com João olhando-a de perto, e dizendo:
- Você precisa ver isto, Martinha. Um Super MM.
- O que, João?
- Você dormindo. Você precisa ver. O momento vai passar!
- Mas, se eu estiver dormindo, não poderei me ver dormindo!
Foi então que o João começou a chutar os móveis.
L. F. VERISSIMO