24 DE DEZEMBRO DE 2018
CARPINEJAR
A árvore de Natal do gaúcho
Quando atravessava o pampa e era menino, intrigava-me quando via uma árvore solitária no descampado. Uma única árvore em dezenas e dezenas de quilômetros de verde, uma rara árvore em hectares e hectares infinitos de campo.
Não sei ao certo o que pensava, as emoções vinham misturadas. Primeiro, havia uma curiosidade: como ela nasceu sem nada ao redor, quem a plantou, que semente intrépida atravessou as coxilhas por um pouco de céu? Parecia plantada por Deus, por mãos hábeis do sobrenatural, convertendo o fim do mundo em outro início.
Depois, ela me transmitia uma melancolia, aquela árvore não tinha amigos para conversar, não contava com nenhum galho próximo para dar as mãos e fazer sinfonia, não dispunha de um semelhante para exercitar a sua linguagem. Valia-se do dialeto dos pássaros na hora de se comunicar com a vida, pois só eles a visitavam.
A compaixão encharcava os meus olhos e boca. Crescera órfã, sem pai e sem mãe por perto, ocupando o seu horizonte com bois e cavalos. Deveria ser difícil não pertencer a um bosque ou a uma turma de iguais, até para se proteger, até para ganhar colo no cansaço. Não havia nenhuma criança acessível e fácil para transformá-la em escada e mirante, nenhum peão para oferecer sombra.
Em seguida, ela me passava coragem. Uma valentia de estar sozinha na tempestade e nos ventos, obrigada a se segurar e se cuidar nos reveses do tempo. Não podia pedir socorro, bastava-se com as próprias raízes. Admirava, então, a sua independência de não depender de ninguém para ser tão bonita e frondosa. Exalava uma confiança impenetrável.
Mais adiante nas ideias, compreendia a sua generosidade, ela servia de referência aos moradores das redondezas, de cartão-ponto aos lavradores, que não se viam perdidos quando a encontravam pelo caminho.
Trabalhava, de noite, na função de bússola no mar de estrelas, apontando os seus ponteiros de madeira, e, de dia, influenciava as coordenadas dos viajantes, tal farol circular com a sua luz verde.
Desde piá, eu me percebia representado por ela, que traduzia todos os meus sentimentos por ter nascido no Estado: a solidão, a melancolia, a coragem e a solidariedade. Somos exatamente esse milagre de obstinação e força de vontade.
Tanto que acredito que a árvore de Natal do gaúcho não seja o pinheiro, mas a figueira. Porque, contra tudo e contra todos, ela se levanta para o Sol e para a Lua. Seu isolamento geográfico não a intimida, pelo contrário, a inspira a subir mais alto, a provar a sua força, quase tocando as nuvens, uma bandeira vitalícia, para ser vista de longe, para que uma criança como eu nunca se veja abandonada pelo destino.
CARPINEJAR
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