sábado, 29 de dezembro de 2018



29 DE DEZEMBRO DE 2018
CARPINEJAR

Sem fogos de artifícios

Você sabe se a visita é de confiança pelo jeito que o seu cachorro reage. Mas também é possível saber como é o dono da casa pelo modo como trata o próprio cachorro.

Cachorro não é um objeto de decoração pela casa, para colocar no colo por alguns minutos e depois abandoná-lo ao choro e à saudade pelo resto do dia. Implica responsabilidade e disponibilidade. É um compromisso de vida e, ao mesmo tempo, exige tempo para passear e circular pela rua e praça.

Não adianta só viajar ou só trabalhar e transferir os encargos para os mais próximos. Não adianta banhar e tosar no pet shop se o carinho é inexistente na maior parte da rotina. É o clássico caso de alienação canina, ainda mais se mora em um apartamento.

Ter um cão é garantir o seu bem-estar. É levá-lo mensalmente ao veterinário, controlar as vacinas, mediar a alimentação de acordo com as necessidades de cada raça e antever adversidades. Por exemplo, no calorão do verão, não pode sair com o bichinho em horários de rush do sol. Se você mal consegue respirar, imagine ele revestido de pelo. Se você, com sapatos, não suporta as calçadas queimando, imagine ele com as patas expostas. É empurrar a sua cria para caminhar em brasas.

Amar um cachorro é se colocar no lugar dele.

Não vai querer mais soltar fogos de artifício na virada. Entenderá o poder empático do silêncio no último dia de dezembro. Não será mais inconsequente e egoísta.

Pois um cachorro escuta quatro vezes melhor do que uma pessoa. Assim escuta a oito metros o que o homem só escuta a dois metros. Ele detecta a origem do som com precisão, em apenas 0,06 segundo.

Você nem abriu a porta, e o cachorro já ouviu você chegando. Você mal acordou, pisou o pé para dentro do chinelo, e o cachorro já corre para a porta do seu quarto. Você vive querendo adivinhar o que ele está descobrindo - porque ele flagra os sons de insetos, da água correndo, do vento mudando a sua direção, dos subterrâneos, das paredes. Escuta o que até aquele instante parece invisível.

De repente a cabeça dele se inclina para um lado como se ele estivesse de pé, em vigília, por um novo movimento. É um profeta do que surgirá. Alcança uma frequência entre 10 a 40.000 Hz, inacessível para a escala humana, presa entre 16 e 20.000 Hz.

O cachorro prostra-se em sentinela e late para algo que não aconteceu. Só não aconteceu para você, para ele aconteceu.

Não são fantasmas, são ruídos vivos se formando em grandes distâncias.

Antes do celular tocar, ele olha para o seu celular. Antes de algum objeto quebrar no chão, ele olha para os seus braços. Antes da campainha vibrar, ele olha para o interfone.

O cão tem uma hipersensibilidade auditiva. Um relâmpago é um terremoto para ele. Uma colisão de carros ao longe é uma choque de trens.

O cachorro escuta, inclusive, a sua lágrima antes de cair, o batimento do seu coração alterado, uma dor antes de ser palavra, e vem lamber o seu rosto e lhe oferecer conforto.

Fogos de artifício torturam os cães, esse seres mais afeitos à paz. É uma dor absurda que paralisa, traumatiza e dissemina medo e ganidos pela madrugada inteira.

Não comece 2019 espalhando sofrimento com a sua alegria.

CARPINEJAR

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