15 DE DEZEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA
Xis-tudo com ovo
Li que o centroavante Walter sente saudade de Porto Alegre por causa do xis. A notícia produziu em minh'alma uma nostalgia da minha cidade, tanto que tive de escrever "minh'alma", com apóstrofo e tudo. O xis.
Já na grafia essa é uma iguaria tipicamente porto-alegrense. A etimologia da palavra é óbvia: xis vem de cheese, queijo em inglês, numa contração de cheeseburger, o clássico hambúrguer com queijo. Mas o nosso xis não é um vulgar hambúrguer com queijo. Hambúrguer com queijo é nutella, o nosso xis é raiz. Tanto que, às vezes, trailers oferecem "xis com queijo".
O xis, no Rio Grande, pilchou-se: há de se apresentar em dois pães circulares do tamanho de um prato, com um monte de coisa entre eles, tanta, mas tanta coisa, que é preciso prensá-lo para caber em uma boca, mesmo que seja uma tamanho extra large, como a da Julia Roberts, que, infelizmente para ela, nunca deve ter mordido um xis-estrogonofe com ovo.
Lembro de um lugar da Zona Norte que tinha "xis-tudo". Uma refeição que, supostamente, tenha "tudo" é algo filosófico. É como o infinito. O infinito é a prova de que Deus existe, porque se trata de um conceito incompreensível para a mente humana. Pensar no infinito e não entendê-lo mostra como somos minúsculos e não conhecemos nem onde estamos.
Stephen Hawking disse, em seu último trabalho, que o universo é finito. Se for finito, o que tem depois dele? Um drama, cogitar isso. Mas, se não for finito, se for INfinito, o drama é ainda maior. Porque, afinal, não há como conceber qualquer objeto material que não tenha fim, e o universo é um objeto material, não é como os números, que, estes sim, são infinitos, porque só existem na imaginação humana.
Era nisso que pensava, cada vez que comia xis-tudo naquele trailer da Zona Norte.
Depois de comer, não conseguia mais pensar em nada que fosse grave ou relevante. Tornava-me pachorrento, preferia ficar bebendo com os amigos, sorrindo macio, contando piadas e dando risadas. Que me importavam os enigmas do universo? Que me importava o governo? Que me importavam as vicissitudes da vida moderna? O que eu queria era digerir em paz.
Eis o busílis! Estão faltando calorias no mundo. Antes, as pessoas se alimentavam com refeições robustas. Espinhaço de ovelha com aipim, aquela receita supimpa que, certa feita, me passou o velho Wianey Carlet. Feijão mexido com dois ovos fritos em cima, que nós atacávamos ao dobrar a última esquina da madrugada, ali na Cristóvão Colombo, ferindo os ovos, misturando o caldo amarelo das gemas ao negro do feijão, temperando com azeite de oliva, pimenta e, não raro, mostarda. Arroz de china pobre, que eu fazia com minhas próprias mãos, tirando uivos de prazer dos comensais. Carreteiro de charque, que, certa noite, o Sérgio Lüdtke preparou em seu tugúrio na Celeste Gobbato, tendo ficado tão saboroso, que uma morena de pernas longas da cor do entardecer no Guaíba disse que faria um strip para homenageá-lo, com o que o Sérgio não concordou, recatado que é.
Comida de verdade, sim, senhor!
Comida que as pessoas não comem mais.
Olhe as redes sociais. Olhe! Primeiro, as pessoas publicam filmes delas próprias fazendo exercícios físicos. Por que fazem isso? Não sei. Mas lá estão elas, suando dentro de roupas apertadíssimas e coloridas. E a postagem seguinte, qual é? Os vegetais que elas vão comer. Vegetais! Açaí! Por Deus, elas comem açaí. E, se vão se entregar às delícias inefáveis de um sanduíche verdadeiramente calórico, o que elas comem, hoje em dia? Xis? Não: burgers! Porto-alegrenses, agora, comem hambúrgueres, uns trocinhos do tamanho de uma bola de tênis, que você engole em duas dentadas. É claro que isso os torna agressivos e mal-humorados. Então, eles vão às redes e insultam alguém, eles escrevem e-mails desancando um estranho, eles criticam a sociedade. Eles precisam despejar todos aqueles ácidos gástricos que não usaram na digestão. Por favor! Vá comer um xis-tudo, meu irmão porto-alegrense. Vá engordar um pouco. E pare de incomodar o próximo.
DAVID COIMBRA
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