sexta-feira, 14 de dezembro de 2018


12 DE DEZEMBRO DE 2018
CAPA

Discutindo a relação

ELIANE GIARDINI E ANTONIO GONZALEZ vivem casal em crise existencial em peça de Edward Albee

É comum grandes artistas refletirem uma obsessão em sua obra, e a de Edward Albee (1928 2016) era, sem dúvida, o casamento.

Adotado por pais que o criaram de maneira fria e distante, o dramaturgo americano é cronista de uniões disfuncionais, retratadas em peças como Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1962), seu maior sucesso; Um Equilíbrio Delicado (1966); A Peça Sobre o Bebê (1998) e, como não poderia deixar de ser, Peça do Casamento (1987), que chega agora a Porto Alegre em montagem estrelada por Eliane Giardini e Antonio Gonzalez.

Com sessões desta sexta a domingo, sempre às 21h, encerrando a temporada comemorativa de 160 anos do Theatro São Pedro, a produção carioca leva ao palco a relação de um casal cinquentão que passa em revista seus 30 anos juntos quando o marido avisa que abandonará a esposa. Como no teatro de Samuel Beckett, não importa tanto se ele a deixará ou não, mas o que acontece no processo em que está tentando - ele comunica sua partida diversas vezes, e ela não o leva a sério.

A direção é de Guilherme Weber, de quem o público porto-alegrense pôde assistir, em 2016, a outro trabalho relacionado: Os Realistas, de Will Eno, em que também atuou. Uma trilogia sobre o casamento será completada com De Verdade, de Tom Stoppard, ainda sem data de estreia. Para o encenador, que foi o Douglas da novela Pega Pega, a obsessão de Albee é uma metáfora das coisas da vida:

- O casamento ainda é um dos sistemas fundadores da sociedade ocidental, e nesta relação estão incluídas todas as possibilidades de convivência: política, erotismo, desejo, economia, gênero. Os temas que nos inquietam estão presentes no casamento. É a civilização e a selvageria.

Peça do Casamento, na avaliação de Weber, é quase uma versão "minimalista" de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, adaptada com sucesso para o cinema em 1966 com Elizabeth Taylor e Richard Burton. Se em Virginia Woolf Albee criou um engenhoso jogo de espelhamento entre dois casais, um mais velho e um mais jovem, na Peça do Casamento o casal reflete a si mesmo e ao público, em um jogo acentuado nesta montagem pelo cenário de espelhos criado por Daniela Thomas e Camila Schmidt.

FURACÃO EM CENA

Embora o texto seja de 1987, o espetáculo não localiza a ação em determinada época, optando por retratar os personagens como arquétipos. Sim, é um casal hétero, branco, de classe alta, que para Weber alude aos próprios pais de Albee, mas com alto potencial de identificação da plateia. Dado como "instituição falida" pelos mais apressados, o casamento sobrevive na sociedade como organização incontornável, seja para almejá-la, destruí-la ou superá-la. Tudo isso está contido na peça. Se o marido representa o homem provedor, e ela a dona de casa, a trama mostrará que essa relação de poder é mais sutil, e que a personagem é dotada de força eficaz e sutil ironia.

- Ela é um resumo das personagens femininas de Albee, que são furacões em cena, por mais que ocupem um espaço doméstico. Ela faz a explosão acontecer. Os homens, em suas peças, sempre ocupam um lugar meio frágil, por mais que sejam os detonadores do drama - diz Weber.

O diretor afirma que o espetáculo tem atraído um público diversificado e lamenta que um casamento com liberdade ainda seja prerrogativa de uma minoria:

- Quando uma futura ministra diz que o papel da mulher é ficar em casa, estamos automaticamente voltando para aquele tipo de casamento dos anos 1980.

FÁBIO PRIKLADNICK

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