Virginia Woolf e a imaginação profunda
Os julgamentos do tempo, dos leitores, dos críticos e dos acadêmicos têm sido amplamente favoráveis e justos à obra de Virginia Woolf, que segue integrando o cânone dos grandes escritores de todos os tempos. Os temas das obras, a criatividade na linguagem e a originalidade da autora marcaram para sempre a história da literatura mundial.
A 14ª edição da consagrada Coleção Dicionários do Grupo Zaffari, que já publicou mais de 50 mil exemplares, editada pelo poeta, publicitário e escritor Luiz Coronel, apresenta Virginia Woolf - O esplendoroso abismo da imaginação (296 páginas, Mecenas). Guimarães Rosa, Machado de Assis, Mario Quintana, Clarice Lispector, Erico Verissimo e Carlos Drummond de Andrade, entre outros grandes nomes, já foram homenageados pela Coleção Dicionários, que se tornou referência obrigatória para bibliotecas, universidades, instituições culturais e leitores.
Com textos de abertura de Luiz Coronel e Regina Zilberman, a obra conta, igualmente, com contribuições valiosas de Sergius Gonzaga, José Eduardo Degrazia, Antonio Hohlfeldt, Jane Tutikian e Janaina de Azevedo Baladão, entre outros, e belíssimas fotografias de Virgínia, uma mulher que atrelava sua própria existência à escritura e disse: "E eu escrevo? Ou invento com palavras, amando-as como as amo?".
Depois de 136 anos de seu nascimento, a sagacidade, a imaginação, a inteligência e a percepção única de Virginia seguem encantando em frases como: "Sem dúvida, nossa vida seria muito pior sem o nosso espantoso talento para a ilusão"; "Ler mudou, muda e continuará mudando o mundo"; "Livros usados são livros à solta, livros sem teto; eles se juntaram em vastos bandos de plumagem mesclada, e têm um encanto que os livros da biblioteca não têm"; "Estou com as mãos ocupadas, por isso vou cumprimentá-los com o coração"; "É mais provável que a ficção contenha mais verdade que do que o fato"; "A velha ideia era que a comédia representava as fraquezas da natureza humana e a tragédia retratava os homens como maiores do que eles são. Para pintá-los de um modo verdadeiro será preciso chegar a um meio-termo entre as duas, o resultado é algo muito sério para ser cômico, muito imperfeito para ser trágico, e a isso podemos chamar de humor".
e palavras...:
Conto de Natal
O automóvel Mercedes estacionou em frente à velha casa que tinha as cores das paredes desbotadas, mas ainda se mantinha em pé após nove décadas, revelando as marcas da pátina do tempo. A casa mista, de madeira e alvenaria, se situava na rua central do vilarejo, de apenas 800 metros e chão de terra batida.
Quem acelerasse um pouco mais o carro talvez nem percebesse Vila Mariana, onde havia mais almas no cemitério do que nas modestas moradias. Na pequena localidade, havia apenas outras seis pequenas ruas, perpendiculares à principal, todas de terra batida, com casas simples e antigos moradores. O velho senhor desceu do carro, movimentando com dificuldade o corpo obeso e passou a mão nos ralos cabelos que ainda restavam na nuca.
Pensou em entrar no veículo de novo e seguir, mas lembrou que há mais de 50 anos não visitava a vila e o único irmão que lhe restava. Por questões de rivalidade, divergências pessoais, palavras desencontradas e pequenos grandes problemas de herança, ficou distante no tempo e no espaço da casa onde nascera. Ele não tinha certeza de encontrar o velho irmão naquela véspera de Natal, mas bateu na porta com o punho diversas vezes e aguardou. Depois de vários minutos o irmão abriu a porta, fazendo ranger os gonzos.
O irmão estava com 72 anos; ele, com 79. Os dois trocaram um longo olhar repleto de surpresa e silêncio: "Não vai me convidar para entrar?", ao que disse o outro: "Entre", abrindo totalmente a porta de madeira. O visitante sentou-se no sofá da sala e o morador acomodou-se na poltrona em frente. Lá fora anoitecia, e um vento frio penetrava pelas frestas. Ficaram se olhando em silêncio por um tempo indefinido. "Quantos anos, hein?", disse o visitante. "É, mais de 50 anos, o tempo passa. Fiquei por aqui, cuidando da venda do pai, não me casei, não viajei, não tive filhos e não ganhei muito. Agora é deixar passar os anos que me restam", relatou.
O outro, por sua vez: "Morei e trabalhei na Capital, ganhei uns pilas, andei pelo mundo. Tive três mulheres, cinco filhos e oito netos. Às vezes, penso que fiz muita coisa e, nos últimos anos, fiquei pensando em nossos pais, em ti, nessa casa, sentindo que no fundo ainda sou só aquele piá metido que saiu porta afora e não voltou. Estamos ficando velhos, pensei que era melhor não retardar esse encontro", contou o irmão de fora. "Tens razão, meu irmão, tens razão, sempre tiveste", concordou o morador. Ficaram mais um tempo em silêncio.
O dono da casa ofereceu uma cerveja para a visita e alguns pedaços de queijo, salame colonial, e também se serviu. "Podes passar a noite aqui, tua cama ainda está no teu quarto", afirmou. "Obrigado. Sabe, estamos velhos, somos irmãos, vamos deixar para lá o passado. Se a gente não conseguir esquecer, ao menos vamos tentar não morrer com pensamentos ruins", falou o outro. "Não é fácil, as feridas foram grandes, as cicatrizes ainda estão aí, sei lá até quando vão estar, mas somos irmãos e hoje é véspera de Natal.
Também não gostaria de morrer brigado com o único irmão e tu voltaste, talvez por um dia que pode valer por anos", afirmou o outro. -
Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/12/661736-virginia-woolf-e-a-imaginacao-profunda.html)
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