15 DE DEZEMBRO DE 2018
J.J CAMARGO
FADIGA DO SOFRIMENTO
Os médicos sempre se trataram tratando os pacientes. Por isso a atitude médica é tão energizada pela perspectiva ou afirmação de sucesso no manejo de uma situação complexa. Por outro lado, é frequente que, diante da evidência de fracasso, o paciente se sinta "rejeitado" pela mesma equipe que, tempos atrás, o tratou com tanta empolgação e carinho quando o desfecho parecia promissor. Sem perceber o absurdo de tratar de maneira diferente o mesmo paciente em situações diversas, é comum a queixa de: "Me trataram muito mal desta vez. Será que eu fiz alguma coisa errada?". Alguns pacientes mais perspicazes ou experientes, além de perceberem a diferença, intuem que a mudança de humor do médico não é uma coisa boa.
Dona Maria Emilia voltara ao hospital depois de 18 meses de uma cirurgia por um tumor em estágio I. Tinha sido dito a ela que a chance de cura era em torno de 90% e que não tinha necessidade de nenhum tratamento complementar. Fui visitá-la algumas horas depois da reinternação, quando já tinha feito os exames de imagem. "Doutor, me diga logo o que deu errado!" Quando quis saber de onde tirara aquela notícia, ela foi definitiva: "Da experiência, doutor. A cara de médico frustrado é inconfundível". Nunca me foi tão difícil explicar a alguém que, por uma dessas ironias do destino, ela fazia parte do pequeno grupo dos 10%.
Maturidade profissional, nesta situação, é encontrar o equilíbrio entre sentir-se bem quando tudo dá certo, mas, principalmente, conviver com a amargura quando tudo dá errado, sem perder a noção de que o trabalho médico vai além do quanto ele próprio se sinta pressionado ou aliviado pelo fracasso ou sucesso.
Um grande temor dos pacientes é a possibilidade de que o diagnóstico de uma doença grave signifique solidão e abandono. Esse temor explica bem por que os pacientes ficam tão aliviados quando se dão conta de que na atitude do médico há uma promessa de parceria.
A crença mais antiga e tola é de que o médico precisa enrijecer para suportar o convívio com o sofrimento alheio sem ser atropelado por ele. Uma grande bobagem, porque os tais rígidos, sem o afeto essencial, não têm nenhuma utilidade e, frequentemente, ainda adoecem com a decepção indisfarçável de se sentirem imprestáveis.
A fadiga por compaixão tem sido considerada a principal ameaça à sanidade mental dos profissionais de saúde. Trata-se de uma síndrome que causa exaustão física e emocional em decorrência do custo empático de lidar com o sofrimento alheio.
A crescente necessidade de especialistas em cuidados paliativos tornou evidente que esta atividade desafiadora, sensível e gratificante exige, antes de mais nada, um profissional bem resolvido emocionalmente, capaz de dialogar com um paciente terminal e ter a sensibilidade de entender que ele só suporta falar do passado, porque mesmo que ninguém lhe tenha dito, ele já percebeu que não tem futuro.
Nesta tarefa, a principal exigência do médico é ser capaz de oferecer afeto, ouvir, reconciliar, favorecer a confissão de amores reprimidos e estimular o perdão, sem jamais, mas jamais, deixar aparente o quanto a frustração pode doer no peito de quem queria tanto ajudar.
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