terça-feira, 7 de janeiro de 2014


07 de janeiro de 2014 | N° 17666
FABRÍCIO CARPINEJAR

Sofrimento não é charme

Em minha escola, havia a Maria do Suspiro. Um nome que funcionava como apelido amoroso.

Ela desmaiava semana sim, semana não.

Produzia um acontecimento importante na turma, com descrições de como foi a queda, os passos para reanimá-la, quem a socorreu.

Destacava-se como uma santa na lista de chamada. Se o tombo ocorria antes do recreio, dominava o assunto das rodas no intervalo. Se ocorria depois, não se falava de outra coisa na saída.

Assim que acordava da pane, Maria Suspiro recebia biscoitos, bolo e chá, recebia cuidado e atenção especial dos professores, recebia uma hora exclusiva na sala da direção, e recebia – pasmem – a chance de sair mais cedo.

Passei a minha infância inteira treinando desmaiar. Mas não consegui.

Eu me sobrecarregava de roupas no verão. Botava uniforme com gola rolê. Só que minha pressão não baixava. Eu apenas ficava com a fama de excêntrico.

Sobrevivia um dia jantando ninharias e renunciando o café. Só que a fome apenas produzia barulhos no estômago.

Sofria de amores platônicos, me distraía e jamais me esgotava emocionalmente.

Gostaria mesmo de desmaiar. Ensaiava tonturas na cama. Mas logo me despertava mais animado ainda.

Idealizava o copo inesperado de água com açúcar e os colegas ao meu redor, perguntando se estava bem e se havia recuperado a consciência.

Ansiava por aquela vertigem de amolecer os ombros e se dobrar como água de cachoeira.

Busquei desmaiar na igreja e somente cochilei. Busquei desmaiar na aula de matemática e somente ronquei. Além de não desfalecer, ganhava advertências e ocorrências que sujavam o histórico escolar. Minha saúde perfeita não ajudava a alma romântica. Ganhei a fama de malandro e espertinho, preguiçoso e inconveniente.

Já Maria do Suspiro tinha uma performance impressionante, inimitável. Não compreendia como ela sempre caía bonito, nunca batia com a cabeça ou se esborrachava no chão. Não se machucava, não criava cicatrizes. Ela virava os olhos, empurrava o rosto para trás, e se escorava em alguém ao seu lado, que amparava imediatamente sua frouxidão. Não a vi caindo uma vez desacompanhada. Tinha um senso infalível de momento. Não descia a escada da respiração sem um corrimão ou desprovida do apoio de um braço generoso.

Seus desmaios eram educados, gentis, sedutores. Nem demorados para gerar pânico. Nem rápidos demais para não provocar dúvidas.

Por muito tempo, fui apaixonado pela minha carência. Forçava adoecer para chamar atenção. Enquanto Maria do Suspiro sonhava com a paz de minha vida, com a normalidade discreta dos colegas.

Ninguém é doente por charme. Entendo talvez um pouco tarde. Hoje respeito mais a fraqueza dela do que o meu egoísmo.