12 de janeiro de 2014 |
N° 17671
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES
(Interino)
Sarney e o arroz de cuxá
Os coronéis são tentadores.
Imagine Sarney circulando pela casa-grande, cofiando o bigode e tratando os
serviçais com aquela fidalguia delicada e literária. Ele é sedutor demais.
Seria arriscado tomar um suco de murici na varanda com Sarney. Você pode se
apaixonar pelo homem.
A filha do Sarney também tem um
ar machadiano. A governadora Roseana é frágil como um bibelô, superou uma dúzia
de doenças e cirurgias. Dizem que hipnotiza quem estiver por perto.
Os Sarney são a imagem do atraso
do Maranhão. Aquele, dizem, é o Estado mais miserável do país por causa deles.
Foi lá que os presos mandaram queimar ônibus e mataram uma menina de seis anos
num dos ataques.
Degolaram três presidiários numa
cadeia de São Luís. E noticiam que, nesse ambiente de horror, Roseana mandou
comprar vinhos e espumantes, uísque escocês 12 anos, lagosta, caviar. Uma
licitação do governo prevê gastar R$ 1,3 milhão em coisas finas.
Sarney é senador pelo Amapá, mas
continua mandando no Maranhão. A dinastia dos Sarney nos oferece uma
facilidade. Você tem em quem mirar, porque o atraso estaria representado em
figuras públicas associadas ao coronelismo. O Maranhão é a imagem dos Sarney. E
nós, aqui do Sul civilizado, ficamos tentados a observar tudo de longe e achar
que estamos muitos degraus acima dessa civilização do século 19.
É uma percepção meio preguiçosa.
Você sabe que matam, como mataram nos ônibus em São Luís e na cadeia lotada de
presos, em qualquer lugar do Brasil. O que não tínhamos até agora eram as
imagens da degola. Você sabe que o prefeito de uma cidade gaúcha quebrada
mandou comprar um carro oficial por R$ 168 mil. Outros não compram lagosta
congelada porque não têm o refinamento dos Sarney.
Matam com violência e por
qualquer motivo, ou sem motivo mesmo, no Rio, em São Paulo, no Recife, em
Salvador, nas cadeias e nas ruas. Imagine se o massacre paulista do Carandiru,
com 111 mortos, tivesse acontecido em São Luís. E os arrastões do Rio. E a
corrupção grossa, como essa que flagrou o grupo que superfaturava obras aqui no
Estado. Imagine se fossem maranhenses esses empreiteiros que vinham ganhando
milhões simulando o conserto de escolinhas das periferias.
O Maranhão, acredite, deve ter
mais creches do que o Rio Grande do Sul. Mas os Sarney são o nosso consolo como
patrocinadores do inferno. Nós, aqui do Sul, podemos olhar para o Maranhão como
se olha do Ocidente para o mundo que não se decifra direito, dos árabes, dos
africanos, da Sibéria. Acreditamos que nossos pontos de observação estão no
alto.
Claro que não dá para romantizar
o coronelismo. Não dá para sentar na mesa de jantar da casa-grande e se
lambuzar no camarão de um arroz de cuxá na companhia dos Sarney e sair dali
impunemente. Ou você se apaixona pelo coronel e sua filha, como Caetano Veloso
se apaixonou um dia pelo coronel baiano ACM, ou produz uma tese sobre os
atrasos do Brasil.
Tem degola em cadeia pra todo
lado. Mas os bárbaros do Maranhão teatralizaram a brutalidade e a filmaram,
sintonizados com os novos tempos da hegemonia da imagem. A barbárie também sabe
usar a internet.