13 de janeiro de 2014 | N° 17672
ARTIGOS
Voto obrigatório, Por Paulo
Brossard
Houve tempo em que o voto não era obrigatório, como em
outros países. Quando passou a secreto, também passou a ser obrigatório, ou
seja, quando, por instâncias de Assis Brasil, que se transformara no estrênuo
defensor da Justiça Eleitoral com suas prévias e implícitas medidas, o voto
secreto e obrigatório se tornou um dogma. Desde o Código Eleitoral de 1932 até
ontem, ninguém se lembrou de bulir no voto obrigatório. Ocorre que, por último,
uma alta autoridade, o presidente da Câmara dos Deputados, manifestou-se pela
extinção do voto obrigatório, razão pela qual a questão ganhou outro relevo, e
me pareceu útil alinhar algumas reflexões a respeito.
Começo por lembrar que, de 1932 ao advento da Constituição
de 1988, o país passou por bons e maus momentos, quiçá mais maus do que bons; o
longo período do Estado Novo e o ainda mais longo do império do AI-5, somados a
outros menores, perfizeram mais de meio século e, a despeito de todas as
anomalias consumadas, ninguém se lembrou de banir o voto obrigatório, ainda que
o próprio voto tenha sido esquecido em um dos períodos.
Embora a Constituição fale em voto “obrigatório”, enquanto o
voto for secreto ele não será nem poderá ser obrigatório, uma vez que não há
meio de ser materializada a hipotética obrigação. Obrigatório será o
comparecimento do eleitor à mesa eleitoral no dia da eleição e então votar ou
não votar, votar em um candidato e não votar em outros (em se tratando de mais
de uma vaga a ser preenchida), votar em branco, que é uma maneira de não votar
ou anular o voto, hoje de modo mais limitado.
De qualquer sorte, o denominado voto obrigatório não tem a
virtude de obrigar o eleitor que não queira votar, qualquer que seja a
motivação de sua recusa. De resto, a extinção do voto obrigatório não teria
qualquer utilidade, em nada contribuiria para melhorar a eleição e se por
comodismo ou desinteresse do eleitor, o número de abstenções ainda poderia
prejudicar o significado do ato eleitoral.
Fora de dúvida, o voto é um direito constitucional, mas dele
também decorrem deveres ao cidadão, os quais descumpridos geram encargos.
Aliás, não é singularidade da espécie em causa, uma vez que outras se conhecem,
assim, o cidadão está sujeito ao serviço militar, bem como à Justiça a que deve
servir na qualidade de jurado, de modo que, não é impor muito exigir que a
pessoa deva dedicar uma hora para comparecer a sua mesa eleitoral para votar ou
não votar, segundo a sua discrição a cada um par de anos.
Enfim, a sabedoria secular aconselha a secrecidade em
determinadas situações. Lembro um caso que me parece ilustrativo. O deputado
Carlos Lacerda, com seus variados talentos e reservas de combatividade, tinha
admiradores extremados e desafetos radicais. Visando a sua cassação, foi
iniciado um processo e o governo usou de todos os recursos para obter a
excomunhão parlamentar do deputado que fustigava com a lâmina de sua palavra.
A despeito de todo o esforço, o governo não conseguiu seu
intento notório e ninguém deixou de creditar o resultado à circunstância de a
votação ser secreta por disposição legal. Generalizar o voto descoberto em
casos de perda do mandato pode não ser o melhor pois, por espírito de facção de
um lado e por tibieza de outro, por temor da repercussão pode justiçar um
parlamentar digno. Em outras palavras, falhas ou abusos podem ocorrer, mas as
soluções humanas são imperfeitas, o que me faz lembrar a sentença de um
publicista segundo a qual “o possível abuso de poder não é objeção válida à
existência do poder”.
*Jurista, ministro aposentado do STF