BERNARDO
MELLO FRANCO DO RIO
Minha História Ana Paula Nogueira, 34
Cadê as outras?
Única
mulher a participar de 'toplessaço', produtora diz que reivindicação não é 'guerra
de sexos' e que quer convidar a mulher do prefeito para a campanha
RESUMO
A produtora de cinema Ana Paula Nogueira, 34, foi uma das 8.000 mulheres que
confirmaram presença no "toplessaço", convocado pelo Facebook para
acontecer no último dia 21, no Rio. Ao chegar à areia, teve uma surpresa: a
imprensa estava lá, mas quase ninguém apareceu. "Infelizmente, o carioca
tem mania de confirmar e não ir. Todo mundo diz Passa lá em casa', mas não dá o
endereço", resigna-se.
Gosto
muito do mar. Nasci em Piedade, no subúrbio, mas vou à praia desde criança. Eram
dois ônibus e duas horas até chegar a Ipanema. Isso nunca me incomodou.
Passei
dez anos fora do Rio. Um dia, decidi largar tudo e voltar. Deixei um emprego em
que ganhava bem para fazer cinema, sem saber se no dia seguinte iria receber ou
não.
Às
vezes faço topless na praia, discretamente. Quando estou em Portugal ou na França,
é normal. Ninguém vem tirar foto dos meus peitos. É uma questão cultural.
Fiquei
sabendo da manifestação por acaso. Faço aula de circo e um professor comentou
que estava rolando um movimento para liberar o topless na praia.
Fucei
no Facebook e vi a página da Ana Rios [organizadora do protesto]. Achei ótimo. Até
que enfim!
Na
noite anterior, participei da gravação de um clipe. Filmamos até as cinco da
manhã, só dormi uma horinha. Quando meu iPhone apitou, peguei qualquer biquíni
e fui.
Já cheguei
atrasada, mas não encontrei uma alma viva. Tinha um reboliço no calçadão, mas
nada na areia. Era só homem e jornalista. Aí eu pensei: "Cadê as outras?"
Não
tinha a ilusão de que as 8.000 mulheres que confirmaram presença estariam lá,
mas achei que seria mais uma entre cem.
Outra
menina chegou, meio sem graça, sem saber o que fazer. Uma repórter veio falar
comigo, desesperada: "Minha pauta vai cair. Você aceita ser a primeira a
tirar o biquíni?" Eu estava lá para isso, não vi problema.
Tinha
uns 200 jornalistas no calçadão. Era o primeiro fim de semana do verão, lógico
que eles iam estar lá.
Quando
me viram na areia, desceram correndo. Aí começou o deboche. Todo mundo
perguntava: "Mas por que as outras não vieram?"
MATE
DO PEITINHO
Era
todo mundo debochando. "Quero ver os peitinhos! Vira os peitinhos para cá!".Teve
gente que disse ter ouvido gracinha até de policial.
As
organizadoras ficaram muito incomodadas com o assédio dos homens. Eu preferi
responder às grosserias com brincadeiras, porque isso deixa eles sem graça.
Um
vendedor passou dizendo: "Olha o mate do peitinho! Sem biquíni é mais
barato". Eu respondi: "Poxa, que bom, porque o mate tá inflacionado
aqui na praia."
Isso
não é uma guerra de sexos. Quero o meu direito de ir à praia da forma mais cômoda,
sem ferir ninguém. Se você não assume uma postura sexual, pode ficar
naturalmente com os peitos de fora.
Sou
contra a ditadura de que a mulher precisa da marquinha de biquíni para ficar
mais sensual. Acho uma coisa brega, horrorosa.
Além
disso, é gostoso tomar banho de mar sem a parte de cima. O biquíni fica caindo
a toda hora. Ainda mais o meu, já que uso tomara que caia.
Cuba
é uma ditadura, um comunismo ferrado, e fazem topless numa boa. O Rio se diz tão
moderno e quando uma mulher mostra os peitos é um escândalo. A gente está dando
uma de caipira.
Ninguém
quer ficar na praia se exibindo, fazendo a dança da Anitta. A causa é para
ficar na areia de topless, dar um mergulho. Só isso.
No
dia seguinte, eu estava na capa dos jornais. Meu pai, português, ficou chateado.
"Pô, é só a minha filha que aparece?" Se a imagem fosse de cem
mulheres, teriam liberado rapidamente.
Mandei
um email para o prefeito, que não respondeu. Vou convidar a mulher dele para a
campanha. No carnaval, ninguém reprime peito de fora. Ficam lá sambando com as
mulatas, tirando foto. Por que na praia não pode?
Nos
anos 60, era atentado ao pudor uma grávida mostrar a barriga na areia. A Leila
Diniz perdeu contrato na Globo por causa disso. Daqui a uns anos, espero que
vejam a gente como ela é vista.