31 de agosto de 2015 | N° 18280
DAVID COIMBRA
Gil, Caetano e R$ 600 na conta
Um ingresso para assistir ao show de Gil e Caetano custou mais ou menos o que um professor do Estado receberá hoje como parcela de pagamento do seu salário. Mesmo assim, pelo que soube, o show estava lotado. O preço, assim, se justifica. Caetano e Gil estavam certos ao cobrar o que cobraram.
Marx já ensinou que o capitalista detém os meios de produção e o proletário vende a sua capacidade de trabalho. O artista não é nem um nem outro, mas é mais parecido com o proletário, embora sua mercadoria, o talento, seja subjetiva. Se eu, Caetano e Gil apertarmos parafuso numa fábrica de carros, nosso trabalho valerá o mesmo. Ganharemos idêntico salário. Eu, Caetano e Gil apertamos parafuso, e aí está, e pronto.
Eu, Caetano e Gil também cantamos. Mas, se eu cobrar R$ 5 para que as pessoas ouçam minha maviosa voz, ninguém pagará. Justo eu, notável intérprete de Paulinho da Viola nas rodas da madrugada. Violão, até um dia, quando houver mais alegria eu procuro por você...
Já Caetano e Gil, por seu talento e sua história, valem a parcela de um salário de policial ou professor, e a prova disso é que as pessoas aceitaram pagar e o fizeram até com gosto.
E o professor e o policial, que hoje verão R$ 600 lhes pingando na conta bancária, quanto o trabalho deles vale para a sociedade? Por que eles ganham tão pouco?
Aqui, nesse escaninho dos Estados Unidos em que vivo, professores e policiais são tratados de uma forma que indica bem o apreço que a população sente por eles. Policiais de rua, singelos vigilantes de trânsito, têm e exercem uma autoridade jamais questionada. “Yes, sir!”, é como você responde a um policial que o interpela.
E o professor... Compreenda: não estou falando do enfatuado professor universitário, aquele que, no Brasil, ganha as benesses do Estado e a veneração dos estudantes. Estou falando do professor de ensino básico e fundamental. Pois esse professor, aqui, é uma estrela. O professor da escola pública recebe salário maior do que o da escola privada, e os melhores entre eles são disputados como centroavantes.
A comunidade ajuda e participa. No ano passado, a escola do meu filho anunciou a intenção de dar um aumento de US$ 250 para cada professor da primeira série. A direção apresentou o orçamento da escola e informou quanto a mais era necessário para dar o reajuste. Os pais podiam colaborar? A maioria colaborou, e o aumento foi concedido.
Um mês depois, a filial do supermercado Whole Foods divulgou que, em um determinado dia, 5% da receita seria para a educação básica da cidade. Todos foram comprar lá.
Parece que esse tipo de iniciativa não é possível no Brasil. Li, em algum lugar, que isso seria considerado “privatização da escola pública”. Curiosamente, não se cogitou o contrário: de que, com as doações, o dinheiro privado estivesse se tornando público. Seja...
O brasileiro sabe valorizar grandes artistas, como Caetano e Gil. O brasileiro sabe o valor de um meia cobrador de falta. Sabe também, o brasileiro, quanto vale o médico que lhe tira a dor ou o advogado que lhe resolve a disputa com o vizinho. Mas será que o brasileiro, que tanto clama por segurança e educação, sabe quanto valem o policial e o professor?