06 de agosto de 2015 | N° 18249
DAVID COIMBRA
Pesadelo vivo
Ela estava parada do outro lado da rua, à sombra de uma árvore. Quando Eric a viu, a sensação de horror fechou-lhe a garganta, cortou-lhe a respiração. O coração começou a ribombar no peito, e ele teve vontade de correr. Mas não correu. Continuou com a cortina na mão, olhando pela janela da sala, quase sem acreditar. Estava vendo o seu pesadelo.
Pesadelo mesmo. Eric já havia sonhado com aquela cena. Era um sonho recorrente: uma mulher dentro de um longo vestido preto, debaixo de um chapéu também preto, observava-o do outro lado da calçada, de pé, em silêncio, apenas olhando para sua casa, para ele, durante horas. Ele não conseguia ver-lhe o rosto, mas sabia que ela o fitava.
Por alguma razão, Eric sentia pânico ao sonhar com aquilo. Quando estava casado com Eva, para sua vergonha, por duas vezes protagonizou o drama clássico: acordou gritando. Nas duas vezes, a ex-mulher fez a sugestão que todo jornalista faria:
– Que tal procurar um psicanalista?
Psicanalista! Por essas coisas que Eric havia se separado dela. Por essas e porque ela tentara matar seu cachorro, o Vírgula, por puro ciúme, imagina! Bastava pensar nisso, e Eric sentia raiva dela. Como podia ser tão má? Aquele relacionamento não terminara bem, de jeito nenhum. Eric a expulsara de casa, e ela saíra batendo porta e jurando vingança.
De certa forma, dera-se a vingança. Logo depois que eles se separaram, Eric se envolveu com uma amiga de Eva, uma mulher jovem e atraente, mas que era... socióloga. Eric descobriu que sociólogos conseguiam ser mais pretensiosos do que jornalistas. E mais inúteis. Para que serve um sociólogo?, ele se perguntava em silêncio, enquanto a namorada ficava analisando o machismo das propagandas de cerveja. E para si mesmo respondia: para formar outros sociólogos. E para encher o saco de pessoas como ele, que estavam pouco ligando para a mensagem subliminar das propagandas de cerveja ou para os preconceitos da sociedade conservadora ou para o que o Bolsonaro acha imoral.
Não, ele definitivamente não queria mais se envolver com jornalistas ou sociólogas. Infelizmente, havia sido fraco. Como sempre. Deixara-se seduzir pelo corpo flexível daquela Salomé, esse o nome dela, Salomé, nome de uma cortadora de cabeças, pois deixara-se seduzir por um par de pernas compridas e um sorriso de promessas, levara-a ao cinema, jantara com ela e, agora, pronto, estava metido em mais um namoro no qual não sabia como entrara e do qual não sabia como sair. Só não queria que fosse pela guerra, como ocorreu com Eva.
Se bem que, agora, o que o preocupava de verdade não era a ex-esposa ou a atual namorada, mas a outra mulher, o fantasma parado na calçada. Só podia ser um fantasma. Como aquela criatura podia ter saído do seu sonho para se materializar na vida real? Eram 2h da madrugada, ninguém ficava estático na rua, debaixo de uma árvore, daquele jeito assustador, àquela hora. Todas as pessoas deviam estar dormindo. Eric também pretendera dormir.
Havia desligado a TV depois de assistir a um filme na Netflix e, no momento de puxar a cortina, deparara com a aparição. O que era aquilo? A mulher não desviava o olhar. Ele não conseguia ver seus olhos, mas sabia que estavam cravados na sua janela. Nele. Eric se arrepiou. O que devia fazer? Ir lá? Não... Isso é que não... Já estava tremendo. Decidiu ir à cozinha, tomar um copo d’água, para se acalmar. Fechou a cortina. Deu as costas à janela. Começou a atravessar a sala. Então, algo o deteve. O que foi? Saiba amanhã, na segunda parte de... “Pesadelo vivo”.