sábado, 1 de agosto de 2015



02 de agosto de 2015 | N° 18245 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Às Altas Autoridades

Num sensacional monólogo de (e por) Alberto Muñoz que o Em Cena trouxe a Porto Alegre uns anos atrás, havia um bordão engraçado que falava nas “altas autoridades”. Quando as mencionava, o ator fazia um gesto de reverência que ao mesmo tempo só podia ser entendido com discreta ironia. (Na pronúncia brasileira, ainda tem um eco engraçado.)

Eu queria que este texto fosse lido pelas altas autoridades, de todas as esferas ligadas ao tema do Cais Mauá. Mas sem ironia. O prefeito Fortunati, o governador Sartori, sei lá quantos e quais secretários e ministros, assim como vereadores e deputados. Sei que minha bola não é para tanto, mas eu queria ser lido, ao menos desta vez, por todos eles.

Ei, altas autoridades, escutem aqui o meu pedido: vejam esse material que está em tinyurl.com/omfx6ak. Olhem com os olhos do cidadão comum que vocês uma vez foram e talvez voltem a ser. Vejam e pensem. Vejam e sintam.

Sim, claro, o leitor que não tem qualquer cargo nem vontade de estar num deles também deve gastar 15 ou 20 minutos para esse material. De que se trata?

Trata-se de um projeto alternativo para o Cais Mauá, aquele que está em vias de ser repassado para um grupo construir uma torre de escritórios e sei lá mais o que, ao preço de destruir alguns dos clássicos armazéns e de manter o lamentável muro, eternizando uma concepção que, pelo que consegui ver, apenas afundará o que está já submergindo, que é a relação das pessoas, os cidadãos da planície, como eu e o prezado leitor, mas também a relação das altas autoridades, com o Guaíba.

Veja lá, meu caro prefeito, prezado governador, vejam lá, deputados, vereadores, secretários, empreiteiros. Aquilo ali é uma riqueza paisagística e humana que não pode ser desperdiçada, nem deve ser privatizada, nem deve ser submetida a essa praga que é a lógica do automóvel. Aquilo ali é para ser vivido por todo mundo.

Vou usar outro argumento: um projeto como o que está no link vai dar orgulho a nós todos. Fortunati, desculpa a intimidade e a segunda pessoa do singular, mas olha ali: a gente vai deixar para filhos, netos, bisnetos, para os visitantes do Interior e do Exterior, para nós todos, um legado de incalculável valor – valor que estão querendo calcular para fazer caber em planilhas elementares. Sartori, desculpa também a intimidade que não temos, mas olha lá e me diz: não seria uma beleza?

Em vez do muro, uma barreira móvel já testada e viável em muitos lugares. Em vez de um arranha-céu para poucos, uma vista aberta e espaços para atividades que a cidade já faz, deseja e necessita. Em vez de mais vagas para carros privados, um meio de transporte coletivo, limpo, silencioso, como a gente vê em toda parte, na Europa e no Sudeste asiático mas também em lugares improváveis do Novo Mundo, que se preocupam com a qualidade da cidade.

Fortunati, Sartori, altas autoridades em geral: não se deixem prender pela lógica imediata das planilhas de custos e pela conversa catastrofista de que os entes públicos têm que sair fora da gestão e da iniciativa na vida das cidades. A chance dourada que vocês têm não é pequena: entrar para a história como os gestores que souberam pensar o coletivo, a cidade para todos, a paisagem e o patrimônio cultural como bens de todos.

E fiquem desde já convidados para um mate, por minha conta, na beira do Guaíba, onde uma vez os índios tomaram banho, pescaram e pensaram na vida; onde depois os lusos – famílias ou desgarrados, pais de família ou bandidos, militares e civis – ancoraram; onde africanos e descendentes escravizados desceram para sofrer o horror da servidão e onde suaram para embarcar e desembarcar cargas; por onde passaram imigrantes alemães e italianos nossos maiores, a caminho das colônias que fizeram prosperar, e onde alguns desembarcaram para fazer a vida na capital; onde Porto Alegre se fez o que é e o que virá a ser.

Bem ali, altas autoridades, a gente pode construir uma novidade para agora e depois: um lugar recriado segundo o que há de mais interessante em matéria de urbanismo como um bem coletivo.

Conto com vocês?