quinta-feira, 12 de outubro de 2017




12 DE OUTUBRO DE 2017
LYA LUFT

O burro falante

Quando alguém menos informado se punha a falar, a discorrer e, se possível, doutrinar para os pobres presentes, às vezes, meu pai - discretamente ou depois do ocorrido - comentava: "Uma das piores coisas numa reunião é o burro entusiástico falante. Aquele que não entende direito, mas se acha doutor no assunto".

"Somos muitos", bradava o diabo que tinha possuído um pobre sujeito, depois libertado por Cristo, segundo os Evangelhos. Pois atualmente parece que nos multiplicamos, nunca vi tanta gente entendendo de arte, ética, moralidade (não falo em moralismo, que detesto), política, economia e o resto que anda nos atormentando.

Existirá mesmo um conceito universalmente adotado ou adotável de arte? Ou dezenas deles por este mundo conforme a cultura, as crenças, as filosofias e o conhecimento ou arrogância?

No fundo mais fundo, confesso que não me interessa muito, estou cada vez mais individualista. Me perdoem os politicamente corretos, mas sempre detestei o politicamente correto, que acho falso, hipócrita, pobre e dispensável. Prefiro a vida, a coisa vital, espontânea, viva, até para admitir que não sabemos muito, e que é melhor não opinar (ou zurrar).

As mais loucas opiniões sobre arte vêm sendo expressas, igualmente as mais confusas noções de censura, por exemplo. Se havia conceitos gerais sobre ela, foram sendo desfeitos nas últimas décadas, e também isso não vou comentar: cabe aos filósofos e teóricos do assunto. 

Não me atrevo a dar mais um pio sobre o assunto de certa exposição ou exposições que levantaram grande alarido pelo país inteiro (estou apenas rodeando a Coisa), até porque me considero dos que pouquíssimo sabem. Dos que aproveitam esta fase mais calma da vida para aprender mais e melhor, eu que nunca fui boa aluna, embora as escolas que frequentei hoje afirmem o contrário: mil assuntos a recuperar antes do último suspiro.

Estamos falando demais, escrevendo demais, berrando demais, acusando demais, nos achando, demasiadamente, o máximo. Outro dia, relendo uma biografia da atriz Katharine Hepburn, a quem muito admirei e admiro, encontrei a deliciosa passagem em que, no seu primeiro encontro com Spencer Tracy, grande ator que seria seu parceiro em muitos filmes e na vida, ela lhe disse: "Mr. Tracy, lamento, mas acho que sou um pouco alta para você". E ele, curto e simples, respondeu: "Não se preocupe, Miss Hepburn, eu vou reduzi-la ao tamanho exato".

Talvez a gente esteja precisando olhar no espelho, ou para dentro de nós mesmos, e ver se nosso tamanho não está inadequado para outra pessoa, outras pessoas, ou as realidades deste momento conflitado e confuso. Do qual, esperemos, há de surgir alguma luz, uma paisagem com menos burros zurrando alegremente seus discutíveis conceitos. A vida já está difícil sem isso.

lya.luft@zerohora.com.br