terça-feira, 24 de outubro de 2017



24 DE OUTUBRO DE 2017
LUÍS AUGUSTO FISCHER

CRÍTICA DO TRATADO DO ELOGIO

Temer e Blairo Maggi celebram portaria do Ministério do Trabalho que dificulta enormemente a caracterização flagrante de trabalho escravo - isso é notícia velha, tem já, deixa eu ver, cinco dias de vida, e no ritmo que temos visto comandar a vida brasileira cinco dias são como 50 séculos, ninguém lembra, porque não tem como, que dirá lembrar da criminosa extinção das fundações de pesquisa e cultura por Sartori, Burigo, Cairoli e esse pessoal que nos governa no Rio Grande amado, que importa que centenas de profissionais estejam há mais de dois anos apavorados, não apenas porque vão perder seus empregos, mas porque com as extinções uma parte do futuro está sendo agora mesmo jogada na lata de lixo pelo governador, que por sinal está aquecendo para nova candidatura, e quem sabe mesmo...

Aécio e Temer são intocáveis, livram sua cara não importa o tamanho, a força e a profundidade das denúncias, porque mantêm uma sólida parceria com a política em Brasília, que nunca foi tão ilha da fantasia quanto agora, isolada do Brasil e do mundo, e se o senhor quiser podemos ficar o resto do dia aqui desfiando tristezas, horrores, centenas de mortos na Somália, dezenas de patifarias de Trump, Dória querendo dar pó de comida velha para os pobres, com apoio do mundo empresarial e de autoridades religiosas, amém.

Esse turbilhão insano encontra eco escrito, não nas redes sociais, mas num romance que dói pra ler mas nos representa e à sua maneira encanta: Elogio dos Tratados sobre a Crítica dos Discursos. O nome é esse mesmo, uma embromação com cara de elegância mas em tudo parecida com a avalanche de conversa mole que nos afunda sem apelo.

Seu autor é Rafael Escobar (edição bacana da Libretos), e sua literatura, que aqui inaugura a fase impressa (mas ele escreve há tempos no mundo evanescente digital), bota em cena uma consciência à moda daqueles sonetos do Augusto dos Anjos, combinando um enredo febril, que nem arrisco a resumir aqui em sua composição de amizades e amores cínicos, com gentes e animais, em meio aos quais reponta de vez em quando a tímida luz da humanidade (como acontece na obra de Campos de Carvalho e Daniel Pelizzari), com a ultrainquisitorial clarividência de todas as neuronas acordadas, feito o microrrealismo obsessivo e desiludido do velho Charles Bukowski ou de David Foster Wallace.

Como quem diz "Tô avisando", mas sem ilusão de reverter nada.

fischerl@uol.com.br