11 DE OUTUBRO DE 2017
OLHARGLOBAL
Nos passos do Quixote
Você pode gostar ou não de Carles Puigdemont e seu penteado que lembra o Moe de Os Três Patetas, mas em pelo menos um aspecto ele acertou em cheio: o separatismo catalão não é coisa de lunáticos. "Não somos uns delinquentes. Não somos uns loucos. Não somos uns golpistas", disse o presidente do governo autônomo catalão ontem diante do parlamento, passando em revista os insultos dos quais seus concidadãos foram alvos nos últimos meses.
O Estado espanhol, e em especial a Constituição de 1978, que fala em "pátria comum e indivisível", também não são exatamente realizações do bom senso. São produtos de uma história longa e sangrenta, para a qual os catalães contribuíram, na maior parte do tempo, de forma involuntária. A Carta das Nações Unidas e a legislação humanitária reconhecem o direito dos povos ao autogoverno. O nacionalismo catalão pode seguir os passos de Dom Quixote, mas pertence à história da razão e não à da loucura.
Ideias razoáveis não se impõem à força e podem mesmo permanecer marginais por longo tempo. Até a década passada, a maioria dos catalães estava longe de ser separatista. O principal responsável por essa conversão foi o PP do atual premier, Mariano Rajoy. Foi esse partido, filho legítimo do franquismo, que recorreu à Justiça contra o estatuto autônomo aprovado pelo parlamento catalão, mostrando para quem quisesse entender que os direitos nacionais da Catalunha jamais seriam plenamente reconhecidos pela lei espanhola. O franquismo foi certa vez definido como "fábrica de separatistas". O PP poderia ser caracterizado como montadora de secessionistas.
Puigdemont e seu governo produziram ontem a mais confusa declaração de independência da história. Em vez de dizer que fundavam unilateralmente a República da Catalunha diante da impossibilidade de fazê-lo em comum acordo com Madri, preferiram proclamar o novo Estado e, em seguida, "suspendê-lo" em nome de um diálogo inexistente. A ironia é que essa trapalhada não faz diferença para Rajoy. Dos catalães, seu governo só aceita rendição incondicional - algo que está muito além de suas forças obter. Os próximos capítulos da crise colocarão à prova não apenas a existência do governo Rajoy, mas, especialmente, as credenciais democráticas da União Europeia.
luiz.araujo@zerohora.com.br