14 DE OUTUBRO DE 2017
LYA LUFT
Os iconoclastas e um vaga-lume
Na última semana, escrevi, quinta-feira (como interina do Verissimo, que está de férias), que andamos demasiadamente parecidos com aquele burro falante que meu pai gostava de mencionar: fala alto, muitas palavras, grande convicção, feliz da vida..., sobre assuntos de que pouco ou nada sabe. Ou "para se fazer de interessante!", dizia minha mãe, já que hoje dei pra citar os pais.
Mais se entusiasma ainda essa criatura quando, achando-se original, segue uma parte da manada derrubando conceitos sem analisar, dando pontapés em filosofias sem entender, fazendo suas necessidades 1 e 2 em cima de coisas que nem consegue avaliar. Algumas manifestações de leigos ou artistas nesses dias me impressionaram, como alguém comendo (espero que de mentirinha) um absorvente de onde escorria sangue (espero que falso). A que levaria isso? Por que estamos tão agressivos, dispostos a decepar cabeças e cuspir nos outros? Por que assumimos essas brigas e cruzadas hiperbólicas? Inquietação, medo, indignação, decepção - confusão mesmo?
Falando com um filósofo (de verdade...) outro dia, ele me lembrou de que estamos mais para iconoclastas do que para criadores de boas coisas. Tanto se desfez o conceito de arte, tanto se destruiu, tanto bancamos os moderninhos e seguimos - sem informação e humildade, essenciais - o que nos pareciam novidades luminosas, que aos poucos tudo foi-se esboroando. Cada um fala o que quer, apresenta o que bem entende, e ai de quem não considerar arte panela de fezes ferventes, pingolim cortado e outras belezas.
Se estranhamos, vêm os que vociferam: então vocês defendem a censura? Então vamos quebrar o David de Michelangelo, cobrir teto e paredes da Capela Sistina... e outros delírios mais. Um momento, gente! Um pouco de bom senso e humildade faz bem! Ninguém pensa em censurar arte. Por outro lado, nem todo mundo quereria suas criancinhas induzidas a manipular uma pessoa nua (que não é uma escultura...).
Em muitas casas, nudez é natural. Não em todas. Então a primeira lei seria respeitar as diferenças de costumes, assunto do dia - o que acho muito bom! Mas não precisamos exagerar. Logo, quem não é gay nem trans nem bi ou poli será objeto de preconceito e terá de sair às ruas para se defender. Que cansaço.
Melhor prestar atenção no que acontece aqui neste pobre país, onde até no Supremo reina confusão, onde está quase decretado que raposas serão julgadas por raposas, e as galinhas vão se ferrar de maneira fenomenal. Onde a miséria reina, gente morre de falta de higiene, mulheres dão à luz no chão, velhos morrem em macas, crianças estão sem escola, e corremos nas ruas como ratazanas caçadas.
Mas fiquei feliz na última semana com a conversa, na Federasul, no Tá na Mesa: carinho, respeito, cumplicidade, ótimas perguntas, e a sensação de que, sem romantismo algum - como é meu caso em relação ao país -, sempre há uma luz logo ali. Pode ser só um vaga-lume... mas é luz.
lya.luft@zerohora.com.br