28 DE OUTUBRO DE 2017
J.J. CAMARGO
EXPERIÊNCIA DE CICLISTA: SE VOCÊ PARA, VOCÊ CAI
Entrevistas feitas com pessoas de meia-idade, das mais variadas classes sociais, revelaram diversidade de opiniões sobre como é saber-se velho, que é quando a maioria começa a buscar seu direito de fazer o que quiser ou parar.
Metade dos entrevistados assumiu essa questão como muito simples, porque considerou que a percepção desse momento está associada ao envelhecimento biológico com evidências grosseiras, como desânimo, cansaço fácil, rigidez das articulações, apatia sexual, riso escasso e intolerância com as iniciativas ruidosas da modernidade.
Algumas pessoas, no entanto, ficam decrépitas antes mesmo que essas perdas se tornem aparentes, enquanto outras mantêm o espírito tão jovem que os anos passam, mas ninguém ousa pensar nelas como velhos. Certamente a chamada arte de envelhecer pode se expressar de maneiras diversas, prosaicas umas, sutis e inteligentes outras.
Mia Couto considera que o "envelhecimento é uma desistência do desejo de ser um outro", ou seja, quando nos conformamos com o que somos, estagnamos.
Drummond, na sua amargura de antissocial assumido, reconheceu que envelhecemos quando "não temos mais vagas para amigos novos". Ziraldo, mais ameno e elaborado, descreveu a nossa trajetória como uma sequência de desejos de vingança daqueles que ficaram atravancando nosso caminho ao longo da vida, e temos que ir domando nossos ódios até que, um belo dia, descobrimos que não há no mundo ninguém mais de quem queiramos nos vingar. Iniciamos, nesse ponto, a curva de descida.
Foi assim, abastecido desses modelos sofisticados, que encontrei o João, no ambulatório da Santa Casa, em busca de um check-up que demonstrasse que ele tinha condições plenas de continuar trabalhando, porque a aposentadoria era um projeto para o futuro muito remoto, se algum dia, quem sabe, ele se sentisse velho.
Com seu jeito amistoso e sereno, uma voz macia e um sorriso de todos os dentes que iluminava aquela cara preta, gostar do João foi uma dessas reações automáticas, sem espaço para segundas opiniões.
Contou-me que, como funcionário do Estado, trabalhou algum tempo num lar de idosos, mas como não se sentia bem, solicitou transferência para uma escola de Ensino Médio, e aí se encontrou. O convívio com a energia efervescente da juventude, onde a inquietude é a mais poderosa fonte de entusiasmo, fazia-o sentir-se útil como o conselheiro mais experiente daquela meninada que ele adorava, e isso o divertia muito.
Depois da segunda consulta, a sua decisão de mudar de ambiente de trabalho e a feroz resistência à ideia de aposentadoria me pareceram perfeitamente compreensíveis: "Eu não tinha paciência para conviver com aqueles velhos mofados, porque eles haviam perdido a vontade de avançar!".
Com essa convicção, ele tratou de procurar a sua turma. No início do próximo fevereiro, João completará os seus primeiros 80 anos.
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