quarta-feira, 3 de janeiro de 2018



03 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA

A salsicha da morte

Saiu uma pesquisa científica que diz que cada salsicha comida equivale a 15 minutos de vida perdidos. Não sei como ainda estou vivo. Sou descendente de alemães, povo apreciador de embutidos. Já comi muita salsicha gentilmente introduzida no meio do pão do cachorro-quente ou picadinha, no molho de um macarrão que faço e que meu amigo Admar Barreto adora, e mesmo a salsicha solitária, temperada com mostarda e regada a cerveja preta, como se fazia com a robusta Bock dos ótimos restaurantes germânicos que quase não existem mais em Porto Alegre.

Vigoram, na Alemanha, 1,5 mil tipos diferentes de salsicha. Quando soube dessa informação, pensei: vou descobrir qual é a campeã. A melhor de todas. Comeria uma salsicha por dia e anotaria criteriosamente suas qualidades e defeitos. Ao cabo de quatro anos e pouco, teria a vencedora. Escreveria o relatório e publicaria primeiro em ZH, depois pela L&PM. Seria um trabalho para ilustrar e iluminar as gerações de comedores de salsicha.

Só que, mais ou menos na mesma época, andava encantado com as Ilhas Maldivas. Via fotos e filmes desse paraíso na Terra. Como o país é formado por 1,2 mil ilhas, planejei reunir os dois projetos: conheceria uma ilha Maldiva por dia e, neste mesmo dia, comeria um tipo de salsicha alemã. Passaria quase três anos e meio na empreitada. Mas, como sobrariam 300 salsichas, decidi experimentá-las com queijos franceses, porque há 246 variedades deles. O general De Gaulle, inclusive, certo dia se queixou dos queijos, indagando:

- Como se pode governar um país que tem 246 tipos diferentes de queijo?

Um problema, de fato.

Mas o maior problema seria finalizar o meu projeto de reunir queijos, salsichas e ilhas, já que ainda faltariam pelo menos 50 salsichas alemãs sem nada para acompanhar, nem ilha Maldiva, nem queijo francês. Foi aí que decidi que acrescentaria à tarefa os pratos com bacalhau que são feitos em Portugal, que, dizem, são 365, um para cada dia do ano, inclusive os feriados.

A questão é que sobrariam 315 pratos com bacalhau absolutamente desacompanhados, o que é inadmissível, e eu teria de fazer uma reengenharia no meu programa. O que combinar com o bacalhau? Lembrei que, nos Estados Unidos, há 2,6 mil tipos diferentes de séries de TV. Assim, daria conta dos 315 pratos com bacalhau restantes e ainda teria praticamente 2,3 mil séries para assistir junto com as 1,5 mil salsichas, os 246 queijos e as 1,2 mil ilhas Maldivas.

Todas essas ponderações matemáticas, televisivas, gastronômicas e geográficas estavam me afligindo, até que, ao ler a tal pesquisa científica, concluí que não teria todo esse tempo para fazer tudo isso se continuasse comendo salsichas. Foi Otto von Bismarck, o Chanceler de Ferro, quem um dia disse, de capacete pontudo na cabeça e dedo apontando para o firmamento:

- Se as pessoas soubessem como são feitas as salsichas e as leis, não dormiriam tranquilas.

Agora está provado que tinha razão, o velho Otto. Não comerei mais salsichas. Mas ainda preciso combinar as séries com as ilhas, os queijos e os pratos de bacalhau. A conta não fecha. Por que a vida tem de ser tão complicada?

DAVID COIMBRA