05 DE JANEIRO DE 2018
DAVID COIMBRA
A sepultura erótica de Victor Noir
A estranha mensagem de WhatsApp que recebi do meu amigo Cabeça perguntava o seguinte:
"Já ouviu falar de Victor Noir?".
E nada mais.
Fiquei especulando. Victor Noir, Victor Noir... Esse Noir, evidentemente, não é aquele nome unissex brasileiro, na certa é sobrenome francês, pronunciando-se "Noah", de "negro", até porque o prenome, Victor, com cê incrustado bem na vesícula, é clássico na França pelo menos desde Victor Hugo, e estou falando do autor de Os Miseráveis, não do eficiente centromédio do Grêmio de 1977, aquele que só marcou um gol na vida - de pênalti.
"Não, não lembro de ter ouvido falar de Victor Noir", foi a resposta que dei ao Cabeça, já temendo ser censurado por minha ignorância. Então, a mensagem seguinte que ele me enviou foi ainda mais enigmática: "Pesquisa".
Foi o que fiz. Naquele exato instante, estava no Trader Joe?s, um supermercado daqui, abastecendo a despensa, porque haveria uma blizzard, terrível tempestade de neve que é mais do que tempestade: é borrasca e fúria. Ocorre que a curiosidade me dilacerou e, ali mesmo, entre as gôndolas de iogurte grego e pita bread, corri ao socorro do Google e indaguei com sofreguidão: "Quem foi o maldito Victor Noir?".
O resultado dessa rápida pesquisa, como previra o Cabeça, me deixou encantado. Victor Noir foi um jornalista francês da época do imperador Napoleão III, sobrinho do Napoleão quente, aquele que escondia a mão e coçava a barriga. Certo dia, o editor-chefe do jornal em que trabalhava Noir escreveu um artigo criticando o primeiro Napoleão, o quente, e um sobrinho-neto do imperador, um obscuro fidalgo chamado Pierre, se ofendeu e desafiou o jornalista para um duelo. Como de costume na época, o editor-chefe mandou emissários para combinarem as regras do combate com Pierre. Um desses emissários era, precisamente, o nosso Victor Noir.
Quando eles chegaram, Pierre, que era um irritadinho, sentiu-se insultado, disse que não tinha nada a tratar com subalternos e que só falaria com o editor. Victor se tomou de brios, eles discutiram, Pierre sacou de uma pistola e o matou. O assassinato foi um escândalo e gerou grande revolta em Paris, mas não é isso que torna Victor Noir um personagem interessante, e sim o fato de que, anos mais tarde, um escultor fez uma estátua para representá-lo em seu túmulo, situado no famoso cemitério Père-Lachaise, em Paris. É uma belíssima obra de arte: o Victor Noir de bronze está deitado em decúbito dorsal, na cena que deve ter sido vista um segundo depois de sua morte. Os lábios estão entreabertos, os braços estão estendidos, a cartola está caída ao lado do corpo. E, na altura da virilha, vê-se uma protuberância: como acontece em muitos casos de enforcamento, Victor Noir teve uma ereção na hora da morte.
Essa estátua impressionante e realista, deitada sobre a sepultura de Victor Noir, está esbranquiçada devido à erosão do bronze, com exceção de duas partes: a boca e o nariz e o volume em que assoma o pênis debaixo do tecido das calças. É que, por algum motivo, espalhou-se pelo mundo a superstição de que a mulher que beijar a boca de Victor, acariciar-lhe o órgão genital e deixar uma flor em sua cartola ganhará, em troca, fertilidade e profícua vida sexual.
Há, nas redes, admiráveis imagens de lindas mulheres beijando os lábios frios da estátua, afagando-lhe o membro rijo e até de algumas deitadas sobre Victor ou acavaladas nele, como se estivessem em pleno exercício do prazer.
Esse Victor Noir mal havia completado 21 anos de idade quando morreu. Não teve nem tempo para escrever algo digno de nota, não chegou a produzir nada que fosse realmente expressivo, em vida. Mas, na morte, transformado em bronze inerte, Victor Noir encontrou a glória. Seu assassino morreu no esquecimento, enquanto Victor Noir seduz mulheres do mundo todo há um século e meio. Pode haver façanha maior? Pode um homem desejar destino mais sublime?
Tinha razão, o meu amigo Cabeça. Victor Noir merece nossa reverência. Victor Noir é meu herói.
DAVID COIMBRA