sábado, 6 de janeiro de 2018



06 DE JANEIRO DE 2018
PIANGERS

E-mail pra mim mesmo

Acho que nos mudamos por causa de uma discussão sobre o ar-condicionado na sala. Tínhamos falado sobre nos mudar en passant, quem sabe mudamos ano que vem, e, quando o verão estava chegando e a Ana quis instalar um ar-condicionado na sala, eu disse: Mas não íamos nos mudar?. E ela: Mas não definimos nada. E eu: Ora, por mim está decidido. E ficamos felizes de decidir uma coisa tão importante assim, como quem decide ir pra praia no fim de semana.

Foi no final do ano passado que eu comecei a sentir medo da decisão. Como faço todos os anos, entrei no site futureme.org e escrevi um e-mail pra mim mesmo, que será entregue no dia 31 de dezembro do ano seguinte. Você pode achar estranho mandar um e-mail pra você mesmo, mas, acredite: é um e-mail para uma pessoa diferente. 

Você hoje é diferente de você daqui um ano. Todos os anos, percebo isso. Meus e-mails são sempre agradecidos pelo ano que passou e sempre apreensivos pelo que vem pela frente. Sempre que o e-mail chega relembro momentos muito bonitos que vivi e, mais importante, consigo perceber o ridículo dos meus medos.

O e-mail que escrevi pra mim mesmo em 2016 acabou de chegar. Nele, descrevo como estava nervoso pelo que vinha pela frente. Tinha acabado de tomar algumas das decisões mais ousadas da minha vida: mudar de cidade, cancelar um contrato com a mais importante empresa de comunicação do Brasil, abrir mão de um trabalho que eu adorava fazer. No e-mail, escrevi que tinha medo que tudo desse errado. Que faltasse dinheiro. Que eu me tornasse obsoleto. Que ninguém se lembrasse mais de mim. Em uma linha agora cômica, escrevo: "Tenho medo de que, ao priorizar minha família e abrir mão de segurança profissional, eu acabe ficando sem nenhum dos dois. E se, depois de abrir mão de tudo isso, minha esposa decida se separar de mim?".

São medos, é isso que temos. São nossos medos que nos impedem de viver. Nos mudamos para um apartamento mais simples, e tive mais tempo com a família. Por muitas vezes, fiquei feliz de não estar mais naquela corrida louca por estabilidade e segurança. Este ano tudo pode acontecer. Veremos o que mudou quando meu próximo e-mail pra mim mesmo chegar.