04 DE AGOSTO DE 2018
PIANGERS
O nome certo para as coisas
Uma mulher me apresenta a filha como sendo "filha do coração". Presumo que seja adotada. Estão juntas há tanto tempo, pergunto se só "filha" não seria o bastante. "É", ela diz. Um homem me apresenta dois garotos, "meus enteados, mas é como se fossem meus filhos", ele diz. "Então, são filhos", respondi. São filhos da sua companheira, mas se você os trata como filhos, se eles chamam você de pai, oras, pra que "enteados"?
Uma mãe me conta que o pai dos seus filhos mal aparece, mas que o padrasto deles é atencioso e muito participativo. "Este é o pai, então", eu disse. Ela não entendeu. "Não, esse é o padrasto. O pai de verdade nem participa de nada", me respondeu. "Se não participa, não é o pai de verdade. O pai de verdade é esse. Se participa e faz tudo, se é companheiro e carinhoso com as crianças, esse é o pai. O outro é um tio", disse eu.
Precisamos dar o nome certo para as coisas. Se é como se fosse um filho, é filho. Se é como se fosse um pai, é pai. Se é como se fosse um estranho, é estranho. Por isso, costumo dizer que não tenho pai. Porque não tenho. Tem um homem que deu uma célula - uma célula! - pra minha mãe, e ela transformou aqui nisso que eu sou. Ela fez tudo. Tive mãe. Não tive pai.
Quando alguém me diz "pai de verdade" pra se referir a um pai que não participa, ou "filho adotivo" pra se referir a um filho de verdade, doem meu ouvido e o peito. Quando um filho ouve o tempo todo que é adotivo ou enteado, se sente menos filho. Quando um pai ouve o tempo todo que é "como se fosse um pai", é menos pai.
É tanta família misturada hoje em dia, buscando ambiente de amor e afeto, que é muito injusto chamar pelo nome errado. A gente tem que dar o nome certo. "Filho de coração", "enteado", "pai adotivo", esses termos distanciam. Filho é filho, e chamá-lo assim é uma declaração de amor. O mesmo vale pra "pai" e "mãe". São declarações de amor. É eu te amo disfarçado de substantivo. É o nome certo para as coisas.
PIANGERS