terça-feira, 29 de janeiro de 2019



29 DE JANEIRO DE 2019
CARPINEJAR

Se fosse o seu filho...

Durante a minha infância, a mãe sempre me encaminhava a um novo eletroencefalograma para ver se algum laudo dizia que eu era sadio. E todos só confirmavam que eu era retardado.

Devo ter feito quatro exames, em meses diferentes durante aquele frio ano de 1979. Tanto que ia para aula com a massinha na cabeça, herança dos eletrodos colados no couro cabeludo para medir a atividade elétrica do cérebro.

E ela recusava o diagnóstico. Não existe mulher mais teimosa. Óbvio que eu desconhecia o veredito. A minha sensação vinha a ser contrária à dela: eu jurava que realizava a bateria incansável de testes porque os médicos não localizavam o que eu tinha de errado.

Os médicos detectaram o problema desde a primeira consulta. Ela é que não acreditava, não se dava por vencida e se empenhava em alcançar uma segunda opinião.

Já estava na quarta opinião técnica e não mudava a resposta. Qualquer um mais racional e cético iria se conformar com o quadro, me encher de remédios, me colocar num atendimento especial e não estaria aqui no jornal para você.

Mas mãe é mãe, uma exceção à regra. Mãe não pensa com a cabeça, e sim com a barra do vestido do coração. Ela achava que eu estava apenas me retardando para brilhar depois, por preguiça ou transgressão.

Como não obteve o apoio da ciência, partiu para a missão de coletar provas práticas de minha saúde intelectual.

O que me levou a fazer a investigação foi o drástico atraso na escola (deixava provas em branco e errava a maior parte das palavras nos ditados). Portanto, ela tirou férias do trabalho e me ensinou a ler e escrever em casa a partir de jogos e brincadeiras. Em dois meses, voltei para a escola escrevendo e lendo melhor que os meus colegas.

Nenhuma professora mais questionou o meu desempenho. Nem solicitou ajuda médica. Fiquei livre das suspeitas.

Guardo a certeza de que a mãe nunca entregou os laudos para a escola. Não sei como desconversou a diretora, já que empaquei o andamento do conteúdo da turma na primeira série.

O mais louco é que fui considerado retardado e talvez realmente seja, apenas eu e ela fingimos bem durante todo esse tempo. Nunca houve um resultado provando o contrário.

CARPINEJAR

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