quinta-feira, 17 de janeiro de 2019


17 DE JANEIRO DE 2019
DAVID COIMBRA

O que quero fazer quando ficar velho


Tinha um velhinho que jogava bola conosco lá no Alim Pedro. Não consegui lembrar do nome dele, mas escreverei a respeito mesmo assim. É que nós olhávamos para o velhinho e dizíamos:

- Quando ficar velho, quero ser como ele: quero poder jogar bola com os guris. Hoje, cogito se aquele velhinho tinha muito mais idade do que tenho agora. Suspeito que não. Ou seja: se tudo der certo, daqui a pouco também serei um velhinho.

Estando mais perto desse momento e tendo vivido mais do que havia vivido quando jogava futebol com meus amigos de infância, ainda quero o que queria para a minha velhice? O que quero fazer quando for velho?

O primeiro desejo que me ocorre é o de ter um neto. Melhor: dois netos. Um menino e uma menina. Quero fazer cosquinha nas barrigas deles e passear de mão com eles pela cidade e, na praia, dar cinco picolés Chicabon para cada um por dia.

O pai deles, meu filho, quero vê-lo não apenas feliz, mas íntegro. Um homem que mereça a felicidade que tem.

Nessa mesma praia, a do Chicabon, quero fazer muitos brindes com champanhe com a minha mulher ao entardecer e beber aquela caipirinha especial com meus amigos à noite. Alguns desses amigos, eu os vencerei em disputadíssimos campeonatos de canastra, para outros farei massa com salsicha, mesmo que eles digam que não gostam de massa com salsicha, e, com quase todos, debaterei os temas mais importantes da vida: mulher e futebol. Com certos amigos também falarei sobre livros.

Os livros. Eis um capítulo à parte, algo de que me ocuparei com método. Quero ler, em inglês, toda a obra de Gibbon e A Guerra Gaulesa, de Júlio César, quero pegar aqueles 10 tomos encadernados em couro vermelho que tenho guardados, a história da II Guerra Mundial, escrita por Churchill, e reler tudo com vagar, fazendo anotações percucientes. E, quem sabe, vou encontrar antigos gibis do Tex para me distrair de vez em quando.

Quero assistir aos filmes de ação do Domingo Maior, porque gosto da música de abertura: tan-tan tan-tan tan-taaaaan? Na verdade, quero ver todos os filmes e, pelo menos uma vez por semana, quero assistir TV até de manhã. É evidente que preciso assistir aos seriados imperdíveis que perdi. Sinto vergonha de dizer, porém digo: nunca vi um único capítulo de Game of Thrones ou de The Walking Dead. Verei. E certamente verei de novo Breaking Bad.

Quero andar com meu filho pelas ruas de Roma e, em Paris, admirar novamente a Vitória de Samotrácia, mas só viajarei de classe executiva. Quero ver Gre-Nais emocionantes e finais da Copa do Mundo, quero me espantar com a elasticidade das meninas da ginástica nas Olimpíadas e me arrepiar ao lembrar dos ingleses cantando Heroes quando a delegação deles entrou no estádio, nos jogos de Londres.

Quero comer em todos os bons restaurantes e cozinhar para a minha família aos sábados à noite, quero brindar com chopes cremosos e gelados e dourados e chegar a 2 mil pontos no ranking do xadrez online, quero poder dormir até a hora que bem entender e, às vezes, só às vezes, tomar banho de banheira. Quero sorrir no fim dos dias, quando ficar velho. E, é claro, quero poder jogar bola com os guris.

DAVID COIMBRA

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