quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019


13 DE FEVEREIRO DE 2019
DAVID COIMBRA

A falta que faz o bom bar


O Tio Sam fechou. Tio Sam é o bar do Leblon que era frequentado pelo João Ubaldo Ribeiro. Escrevi ontem sobre a feijoadinha que era servida aos sábados no Tio Sam e hoje me contaram que o bar não existe mais. Fiquei chocado. Na verdade, acho até que já faz algum tempo que me disseram que o Tio Sam havia fechado, só que tinha me esquecido. Assim, fiquei chocado duas vezes pelo mesmo motivo.

O Tio Sam bem merecia o choque duplo. A feijoadinha e a caipirinha deles eram supimpas, e ainda havia o colorido da presença do João Ubaldo. A última vez em que o vi lá, ele vestia bermudas e chinelos de dedo. Conversava molemente com os amigos, dava risadas, bebericava um chope.

Tinha lido em algum lugar que o João Ubaldo não bebia mais, por motivos de saúde, mas é claro que não acreditei. E, de fato, João Ubaldo seguia bebendo sem culpa. Ou talvez com alguma culpa, sei lá. Por volta das cinco da tarde, ele foi embora. Saiu caminhando devagar, em direção às entranhas do Leblon. Morava ali perto.

Sinto nostalgia de bares e restaurantes que morreram. Os melhores eram os comandados por gente da noite, que não liga preconceito, tem estrelas na alma e a lua dentro do seu peito. O Lilliput, que também citei ontem, tinha um trio deste jaez: o Gordo Damiani, o Cuca Lima e o Atílio Romor. Uma vez, depois das quatro da madrugada, o meu amigo Ricardo Carle, no clímax de uma discussão com o Gordo Damiani, atirou-lhe uma cadeira como derradeiro argumento. A cadeira passou voando por cima das cabeças de um casal que namorava numa mesa encostada à parede e errou o Damiani, que, para acalmar o Ricardo, pediu mais uma rodada de chopes por conta da casa. O casal, sensatamente, foi embora.

Ao lado do Lilliput, rebrilhava o Jazz Café, do grande Dirceu Russi. Foi lá que, certa noite, o Ricardo Carle pediu um prato de alguma coisa com cogumelos. Depois que ele deu a segunda garfada, reparei que havia algo estranho na expressão de seu rosto.

- Tudo bem, cara? - perguntei.

- Tudo. Por quê?

- De repente, tu me pareceu diferente?

- Tu anda bebendo demais?

Ri, mas, cinco minutos depois, entendi o que estava acontecendo: o Ricardo era alérgico a cogumelos. Os lábios dele incharam como se estivessem sendo bombeados. Pareciam duas bananas-nanicas.

- Que horror! - gritou a Mariana Bertolucci, que estava junto, tirando da bolsa um espelhinho no qual o Ricardo se mirou. Depois de se contemplar por uns 10 segundos, ele rosnou:

- Maldito cogumelo!

E pediu outro chope.

Veja só: contei duas histórias de bares que se foram e nas duas o personagem foi o Ricardo Carle, que também se foi. Saudade do velho Ricardo. Bons bares são assim: há pedaços de lembranças pregados nas paredes deles. Porque um bar é um lugar do bem. Você vai a um bar para conversar com amigos ou para encontrar amores, em um bar você ri, conta e ouve histórias, confessa o inconfessável ou diz mentiras sinceras. Num bar, você procura outras pessoas, aproxima-se delas. O que há de mais humano do que isso?

Certos bares deveriam ser tombados pelo patrimônio histórico, porque são monumentos à amizade e à convivência. Quantos amores se formaram em uma mesa de bar? E quantos se desfizeram também? Uma saudação a todos os bons bares que não existem mais. Melhor: um brinde a eles. Saúde!

DAVID COIMBRA

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