quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019


27 DE FEVEREIRO DE 2019
CAPA

O homem que colecionava

FÃ DE TEATRO desde a infância, Luís Francisco Wasilewski ostenta um acervo de 3 mil programas de peças e virou referência em teatro besteirol. Agora, quer contar as histórias dos bastidores

No final dos anos 1980, quando tinha 10 anos, Luís Francisco Wasilewski era fã dos filmes dos Trapalhões e da Xuxa. Criado em uma casa em ebulição cultural, ao lado de irmãos politicamente engajados, também viu precocemente títulos como Eternamente Pagu (1987), de Norma Bengell, e A Dama do Cine Shanghai (1987), com Maitê Proença e Antonio Fagundes. A paixão pelo cinema ficou para trás apenas em 1989, quando assistiu, na Reitoria da UFRGS, ao espetáculo que mudaria tudo para ele: Sereias da Zona Sul, com Miguel Falabella e Guilherme Karan, exemplar bem acabado do gênero teatral conhecido como besteirol e que veio a caracterizar o programa TV Pirata, na Globo.

- Sereias... mostrou que, para mim, o teatro era mais interessante do que o cinema - lembra Wasilewski. - O teatro oferece a liberdade de criar algo apenas para aquela noite. Os atores sempre dizem que uma apresentação nunca é igual à outra. Esse é o fascínio. E o besteirol trabalhava muito com improviso. Na temporada em Porto Alegre, os atores citavam figuras da cidade.

Foi então que o fã de teatro virou colecionador. Hoje, aos 40 anos, Wasilewski é figura de referência por seu acervo de programas (os livretos entregues na entrada dos espetáculos) com cerca de 3 mil itens e por sua memória enciclopédica para datas, nomes e histórias. Contabiliza mais de 1,4 mil espetáculos vistos em 30 anos, uma média de quase quatro por mês - sim, durante muito tempo ele anotou tudo.

Sua faceta mais visível, entretanto, é a de pesquisador. Com trajetória acadêmica na área de Literatura Brasileira, dedicou- se ao teatro desde a graduação na UFRGS, com trabalho sobre Qorpo-Santo (1829-1883). Foi no mestrado na USP que decidiu assumir a paixão pelo besteirol, então um gênero de pouco prestígio na torre de marfim.

- Quando o João (Roberto Faria, seu orientador) me apresentava, as pessoas riam. Mas o que eu mais sentia era ignorância em relação ao tema. Os colegas perguntavam de que época e de que país era o besteirol - lembra Wasilewski, referindo-se ao fenômeno característico do teatro brasileiro dos anos 1980, com gênese em meados da década de 1970.

O que a experiência mostrou foi que havia uma curiosidade reprimida sobre o tema. Sua dissertação sobre a dramaturgia de Vicente Pereira foi baixada mais de 6 mil vezes na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP desde 2009, um número expressivo para um trabalho acadêmico de nicho. Para efeito de comparação, a tiragem usual de um livro de literatura no Brasil (excetuando-se best-sellers) é de mil a 2 mil exemplares.

CAUSOS POR TRÁS DA CENA

Em 2010, foi publicado seu livro O Teatro de Vicente Pereira (coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo). O doutorado, defendido em 2015, também foi dedicado ao besteirol, desta vez enfocando o teatro de Mauro Rasi. Resultou, no ano seguinte, na coletânea Ifigênia em Sodoma e Outros Textos Curtos (editora Giostri), com peças de Rasi organizadas por Wasilewski.

Acontece que seu conhecimento não se restringe à história dos palcos. Wasilewski é um repositório das... bem... fofocas mais suculentas do meio artístico. Que ele jamais conta com o gravador ligado. Mas isso está prestes a mudar. Na pesquisa de pós-doutorado que realiza na Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre a cena gay no Brasil desde os anos 1960, ele se debruça sobre os causos dos bastidores. A inspiração é o trabalho do crítico literário Brito Broca (1903-1961). Isso significa que as fofocas de seu arquivo finalmente virão a público?

- Algumas - sorri Wasilewski, colocando panos quentes.

FÁBIO PRIKLADNICKI

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