sábado, 23 de fevereiro de 2019



23 DE FEVEREIRO DE 2019

SEGURANÇA

Por que mataram Eduarda?

QUATRO MESES APÓS CRIME, polícia não tem pistas de homem que assassinou menina de nove anos

A pequena Eduarda Herrera de Mello dizia que seria médica. De sorriso largo, cumprimentava a todos na escola. Duda era aplicada e meiga. Em casa, dormia abraçada no irmão caçula e perguntava repetidas vezes quanto faltava para seu aniversário de 10 anos. Estava ansiosa para escolher a personagem tema do bolo. A comemoração nunca veio a acontecer. O destino não lhe permitiu crescer, tampouco alcançar sonhos. Aos nove anos, foi encontrada morta, em 22 de outubro, horas após ser raptada de casa, no bairro Rubem Berta, zona norte de Porto Alegre. Quatro meses depois, não há pistas do autor.

A falta de respostas para a perda da filha, que lhe faz chorar sempre, corrói os pensamentos de Kendra Camboim Herrera, 32 anos. A revolta, o vazio e a culpa se misturam à descrença. Já não acredita que descobrirá quem tirou Duda da frente da casa onde vivia com a família para levá-la até o Rio Gravataí e afogá-la.

- Não consigo entender. Quem faz uma coisa dessas? Não tenho mais esperanças de que a polícia descubra quem fez isso. Antes eu tinha. Hoje, não mais. Não é possível que quatro meses depois não tenham uma imagem de câmera, um DNA, nada. Eles dizem que é prioridade, mas não têm resposta para me dar. Que prioridade é essa? - indaga, entre lágrimas.

A família deixou a moradia onde vivia, a mãe abandonou o emprego em um posto de combustíveis, e o irmão de sete anos não conseguiu mais ir à escola. Por vezes, Kendra evita sair de casa. A compaixão também faz sofrer. Onde passa, perguntam pela menina. Na rua, recebe abraços de desconhecidos, olhares e comentários.

- Não tem um dia em que a gente não lembre dela. Mas não é sempre que tu quer falar disso, às vezes não consegue. Onde eu parar e olhar para o nada, é o rosto dela que vejo. É muito difícil.

DESDE QUE PERDEU A FILHA, DIFICULDADE PARA DORMIR

Por vezes, a mãe esquece que Duda se foi. Quando vê as roupas da filha com as primas, quase chama por ela. O mesmo ocorre quando avisa que o almoço está pronto. Desde que perdeu a filha, tem dificuldade para dormir à noite. Sentada numa praça, apega-se a lembranças como os joguinhos que fazia para ensinar a filha a ler ou o gosto por saladas que a pequena herdou da avó. Ansiosa, Duda perguntava pelas férias, pela praia, pelas viagens em família. Planos que não conseguiu concluir. Vaidosa, adorava passar batom e posar para fotos. Segundo a mãe, era muito alegre. Duda chegava à escola, a 15 minutos de casa, cumprimentava a porteira, a moça do lanche ou quem passasse por ela.

- Todo mundo era muito apaixonado pela Eduarda. Era muito amada. O centro das atenções. Muito carinhosa. Ela é, era, uma criança muito querida - conta a mãe.

Kendra veste camiseta branca com a foto de Duda. No braço esquerdo está gravada na pele a imagem da filha. Fez a tatuagem duas semanas após a morte da criança. A arte reproduz imagem feita por ela. A garota estava deitada sobre a cama, com a mão no queixo. Duas semanas antes do dia trágico, Kendra pediu à filha para deitar com ela. A mãe sentia aperto no peito:

- Era uma sensação de que não ia ficar com ela para sempre, e me doeu. Só eu sei o que senti.

Kendra abraçou Duda forte e chorou, sem explicação. A menina logo se desvencilhou, levantou e foi brincar. Quando a filha sumiu, temeu o pressentimento. Horas depois, o corpo foi encontrado às margens da RS-118, em Alvorada. O atestado de óbito aponta morte por afogamento. O crime teria sido cometido por volta de 0h30min. Hoje, a mãe pensa que aqueles minutos abraçadas foram a despedida antecipada.

"O caso é o mais grave da DP", afirma delegada

Mais de cem dias se passaram, e a polícia ainda não conseguiu descobrir quem era o homem no veículo que abordou Eduarda. O relato de uma testemunha permitiu que a investigação divulgasse retrato falado do suspeito de ter raptado a menina. A imagem gerou uma série de denúncias. Mas acabou resultando também na divulgação de informações falsas sobre possíveis suspeitos. Depois disso, a polícia colocou a investigação sob sigilo.

Responsável pela apuração desde janeiro, a delegada Sabrina Dóris Teixeira diz que a equipe trata o caso como prioridade, mas não há desfecho previsto.

- Infelizmente, não temos nada de novo a acrescentar no momento. É bem complicado esse caso. Muitas pessoas foram ouvidas, diligências feitas. Segue sendo divulgado o retrato falado. Todas as informações que chegam estão sendo apuradas. É um trabalho árduo, mas ainda não conseguimos o desfecho - afirma.

NEM SEQUER MODELO DE CARRO FOI IDENTIFICADO

A investigação, cujo inquérito tem 700 páginas, encontra dificuldade pelo fato de o crime ter sido cometido à noite. Agentes refizeram o possível trajeto do veículo desde a casa da família até onde a menina foi encontrada para localizar câmeras. A delegada reconhece que nenhuma imagem foi significativa.

- De fato, as câmeras não colaboraram. Foram analisadas horas de imagens. Nem sequer foi confirmado um modelo de veículo. O retrato falado foi feito com base numa testemunha, que viu uma pessoa no início da noite, sentado de lado, dentro de um carro. É tudo complexo - afirma.

Antes de ser decretado sigilo da investigação, a polícia confirmou que averiguava possível abuso sexual, vingança contra familiares da menina ou mesmo a morte em algum ritual. A delegada diz que nenhuma das hipóteses foi descartada, mas prefere não detalhar as possibilidades.

- Nem tudo que consta nesse inquérito pode ser repassado. Sei que apenas dizer que é prioridade não convence. Mas é prioridade da delegacia e da Polícia Civil. Estamos numa busca desenfreada. A gente entende a angústia da mãe, e isso também me angustia. O crime não está esquecido e não será. Pelo contrário, é o caso mais grave que a gente tem na delegacia no momento - afirma.

LETICIA MENDES

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