TRAJANO PONTES -
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
SABATINA FOLHA LYA LUFT
'Quero escrever sobre a
geografia da alma e da família
AUTORA GAÚCHA, QUE JÁ VENDEU 1,2
MILHÃO DE LIVROS, FALOU SOBRE NOVO ROMANCE, "O TIGRE NA SOMBRA", E
MELANCOLIA DE SUA ESCRITA
O nome de batismo é Lya, mas,
quando descobriu num livro a palavra "açucena", que considerou a
"mais linda", a menina Lya Luft pediu à mãe para mudar de nome.
"As gotas de orvalho
brilhavam nas pétalas da açucena", dizia a obra que caiu na mão da menina,
para quem a "palavra sempre foi uma espécie de tesouro interior".
Na noite da última quarta, a
escritora, hoje com 74 anos, participou de sabatina promovida pela Folha em São
Paulo. Ela foi entrevistada por Heloísa Helvécia, editora de
"Equilíbrio", Jairo Marques, repórter de "Cotidiano",
Morris Kachani, repórter especial, e pelo público.
A autora, que já vendeu mais de
1,2 milhão de livros, lança agora o romance "O Tigre na Sombra"
(Record).
A personagem central tem uma
deficiência na perna. Lya lembrou-se de que também nasceu com um problema na
coluna que, hoje, faz com que use uma bengala.
"Eu não sei se pensava em
mim quando inventei a menina da perna curta. Talvez."
Ainda que não negue traços
autobiográficos na obra, a autora extravasa a coincidência do problema físico
para a humanidade em geral.
"No fundo, todos nós temos
uma perna curta. Pode não ser fisicamente, mas no coração, na mente, na alma.
Todos temos um buraco na alma a preencher."
E para preencher esse vazio, a
autora aponta que desempenha papel fundamental a família, tema constante de
seus livros.
"Escrevo sobre como a
família não deveria ser. Sobre a anti-família, quase. O berço de nossas
neuroses. Aliás, família é isso. Ou berço de alegria e força, depende."
Apesar dos problemas que
identifica, ela mantém o otimismo. "Há muitas famílias legais. O ser
humano é trapalhão, mas não é burro. Vamos encontrar um equilíbrio."
ROMANCE ADULTO
Lya falou da realização tardia do
sonho de escrever um romance. "Eu era tímida intelectualmente. Tive um
acidente de carro e fiquei, durante um ano, com uma certa gagueira e com lapsos
de memória."
Quando melhorou, ela decidiu
fazer o que sempre quis: um romance.
"Acabei escrevendo 'As
Parceiras', aos 40, 41 anos. Achei meu caminho de alguma forma."
Sobre o hiato de 13 anos entre o
romance anterior e o atual, ela diz que escreve o livro que pede para ser
escrito. "O vento sopra quando quer e não estava soprando naquele
momento", compara.
Lya diz ter momentos felizes e
tristes, como todas as pessoas. "Digo sempre que tenho um olho feliz que
vive e um olho triste que escreve, meu lado mais melancólico".
A autora cita os contos de fada
da infância como sua influência mais aguda. "[Deles] vem algo que sempre
há nos meus livros: o belo e o cruel, o belo e o sinistro. Mesmo as famílias
mais destroçadas dos meus livros têm um fluxo poético", explica.
Ela diz apreciar a identificação
dos leitores com seus livros, mas confessa preferir ficar em casa a ter muito
contato com eles. "Sou um pouco fóbica. O que as pessoas querem eu não
posso dar, que é essa pessoa pela qual elas viajam cem, 200 quilômetros apenas
para ver."
Diz gostar de viver em Porto
Alegre, mas que não escreve literatura gaúcha. "Quero escrever sobre a
geografia da alma e da casa [da família]."