06
de janeiro de 2014 | N° 17665
LETICIA
WIERZCHOWSKI
Porque prefiro a
ficção
As
pessoas sempre me perguntam se escrever ficção é difícil. Costumo responder que
difícil mesmo é a realidade. A ficção é areia entre os dedos, massa que se
molda segundo os meus mais voláteis desejos. Quando comete-se um erro num
romance, volta-se atrás em 30, 40 páginas, e tudo é refeito sem danos maiores
do que, talvez, algumas noites em claro. A vida real tem dimensões bem mais
difusas...
A
vida envolve outros egos e agendas, outros medos e sonhos, envolve outras
pessoas. A vida real é barulhenta e furiosa como uma churrascaria num domingo,
e a gente tem que seguir equilibrando as tarefas todas como um desses garçons
que circulam graciosamente pelo salão com sua bandeja cheia de pratos sujos.
Dito
isso, não tenho nada contra a vida real. Os amores, a maternidade, as esperas,
os aprendizados, as viagens e os erros da vida real são uma aventura da qual eu
não me furto. Não sou o tipo de escritora isolada do mundo, sozinha com a sua
inspiração e os seus projetos. Sou pau para toda obra, como diz a minha mãe. No
colégio dos meninos, na fila do cartório, no caixa do supermercado.
Mas
adoro escapar rumo à ficção, e vou para ela sempre que posso, como quem corre
em direção às férias. Por que eu escrevo tudo isso? Porque estou de mudança
para o Rio de Janeiro, depois de 12 anos morando em Porto Alegre (sou
porto-alegrense, mas já dei algumas voltinhas por aí quando casei com um gaúcho
de olhos azuis que tinha se radicado em São Paulo), e mudar dá uma trabalheira
danada. Quanta saudade dos fluxos de pensamento, das cenas e dos sumários!
Quanta
saudade de um bom diálogo, da tela do computador e dos seus amistosos
silêncios. Estou aqui cercada de coisas. Coisas, coisas, coisas, coisas...
Coisas por todos os lados! Papéis e registros e contas e listas que se
multiplicam feito aqueles bichinhos de iogurte que a minha mãe mantinha num
pote sobre a geladeira. Sempre tive pavor daqueles iogurtes caseiros, assim
como tenho das listas que ora ocupam a minha mesa sem deixar espaço para os
personagens.
Dados
cadastrais roubando meu sono. Caixas de papelão nominadas com pincel atômico
acumulando-se feito vírus entre eu e os meus pensamentos. Armários com as suas
bocas escancaradas, prontos para me engolir. Nãooo! Prefiro as palavras. As
palavras são doces e macias e sumarentas... As palavras, estas pequenas frutas
do meu paraíso.