segunda-feira, 6 de janeiro de 2014


06 de janeiro de 2014 | N° 17665
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES

Nelson Ned no Alegrete

Procuravam petróleo nas barrancas do Caverá no Alegrete do início dos anos 70. O professor Schneider reunia adolescentes no mezanino da Igreja Matriz para criar o maior coral do mundo. Eu fiz ensaios nesse coral. Mais tossia do que cantava.

As gurias faziam duelos no Colégio Emílio Zuñeda para ver quem usava as saias mais curtas. Estudava-se o conjunto vazio. Alegrete também se queixava de que Mario Quintana aparecia pouco por lá. Até que um dia, em 1972, apareceu Nelson Ned.

Nelson Ned tinha 25 anos e já brilhava com o sucesso de Tudo Passará. Eu tinha 19 anos, era repórter do Hélio Ricciardi e do Samuel Marques na Gazeta de Alegrete. Foi minha primeira entrevista com celebridade. A foto é de uma conversa no Cine Glória, onde ele se apresentaria à noite. Num determinado momento, que pode ter sido o registrado na foto, ele olhou minha calça de veludo estampado e perguntou:

– Você também é cantor?

O cantor da família, na linha do Agnaldo Rayol, era meu irmão Nelson Mendes. Eu era apenas um repórter que amava Jimi Hendrix e Candice Bergen. Nelson Ned, vamos admitir, era o nosso Tony Bennett, mas não fazia muito sucesso entre os jovens. Era cantor de gente de mais idade, de mais de 30 anos. Pessoas de mais de 30 anos eram maduras e geralmente caretas. Mas como cantava o Nelson Ned! Cantava tanto, que, depois de brilhar no Alegrete, foi cantar no Carnegie Hall, em Nova York.

Eram mágicos aqueles anos 70 no Alegrete, e é uma pena que só os que moravam lá soubessem disso. Apareciam na cidade, além do Nelson Ned, o teatro Gira-Gira, um ciclista boliviano que pretendia bater o recorde mundial pedalando sem parar na Praça Getúlio Vargas e um circo, sempre o mesmo, que ia embora e deixava o boato de que uma guria da cidade tinha ido junto com o tratador dos elefantes.

Poucos dos meus amigos queriam cantar no coral do professor Schneider, porque isso seria coisa de guri mole. Paulo Renato Rodrigues pretendia jogar no Flamengo (o do Rio, não o do Alegrete). José Roberto Ramos organizava uma turma de estudantes que iria conhecer a freguesia do Alegrete em Portugal, Elvio Vargas fazia versos alexandrinos para ganhar as gurias, mas as gurias queriam sonetos, e José Airam fotografava paisagens, passarinhos e crepúsculos.

Nelson Ned apareceu nesse ambiente com camisa de seda e correntão no pescoço. Confrontado com o que existe hoje, seria mais do que Tony Bennet, seria um Frank Sinatra. Na foto, feita pelo Salim, o cara do meio é o empresário de Nelson Ned. Quando abri no computador a foto que meu amigo Heitor Schmidt me enviara, porque tinha arquivada em casa, uma turma foi se juntando em torno da minha mesa aqui na Redação.

Riam, gargalhavam, do cabelo e da calça. Um grupo de gente séria. Gustavo Roth, Diego Araujo, Jones Lopes da Silva, Carlos Etchichury, Marcelo Ermel e Vivian Eichler se divertiram tanto, que nem perguntaram sobre o que mais Nelson Ned me disse. Eu conto agora. Quando se fixou na minha figura, como se vê na foto, o gigante quis saber:


– Onde compro aqui no Alegrete uma calça igual a essa tua?