terça-feira, 7 de janeiro de 2014


07 de janeiro de 2014 | N° 17666
LUIZ PAULO VASCONCELLOS

Ator pensa?

O ator é um artista criador e seu próprio instrumento de trabalho. Uma espécie de pianista e piano ao mesmo tempo. Ou seja, enquanto um pressiona as teclas em tempos e ritmos exatos, o outro projeta no espaço as vibrações que vão encantar os ouvintes em forma de música. Assim também é o ator. Enquanto um estimula o corpo e a voz em tempos e significados exatos, o outro projeta no espaço a imagem que vai encantar o espectador na forma de personagem. E, convenhamos, ator é um instrumento bem mais complexo do que um piano. Afinal, ele... pensa. Ou pensa que pensa. Vejamos.

Constantin Stanislavsky (1863 –1938), o responsável pela transformação do ator num artista criador, nos fala da “consciência interior” que deve ser desenvolvida, o personagem sendo criado na imaginação do ator antes de ser posto à prova no corpo do ator. Para Stanislavsky, tudo começa na análise do texto. De posse desse conhecimento, pode então o ator experimentar no seu instrumento o comportamento correspondente ao que foi analisado. Representar verdadeiramente, diz Stanislavsky, significa ser exato, lógico, coerente, agindo e sentindo em uníssono com o personagem. E o resultado disso é que, quando o espectador sai do teatro, ele está mais preparado para perceber a vida a seu redor.

Outro que exigiu que o ator não fosse só sensível foi Bertolt Brecht (1898 – 1956), o grande poeta e teórico alemão que transformou o palco num contundente discurso político. Brecht era marxista e pensava o mundo pela ótica das relações de poder, e o que ele queria era que o público tivesse uma visão crítica de uma sociedade perversa como a do capitalismo, ou seja, que pensasse.

As tendências mais contemporâneas de atuação, lideradas pela Antropologia Teatral, têm delegado ao ator a responsabilidade do ato criador como um todo, sem a tradicional hierarquia dramaturgo-diretor-ator. Como se trata de uma proposta exigente no uso do corpo, o que tem acontecido é um investimento maior no preparo do instrumento, muitas vezes em detrimento do preparo do artista. Daí que, diante de certos espetáculos, fica no ar uma sensação de coisa incompleta, de defasagem entre a proposta e o resultado, entre a estética e a práxis.

E aí é que entra Peter Brook, com sua invejável capacidade de discernimento: “Assim, voltamos novamente ao conflito entre duas necessidades: a liberdade absoluta de abordagem, a aceitação de que tudo é possível, e, por outro lado, o rigor e a disciplina, fazendo ver que tudo não pode ser simplesmente qualquer coisa”.